Estudantes brasileiros dizem que Reitor da Universidade de Coimbra manipula informações de forma tendenciosa e sem transparência

Notícias de Coimbra | 6 anos atrás em 03-04-2018

Estudantes e investigadores brasileiros em Coimbra reagem a declarações de João Gabriel Silva, Reitor da Universidade de Coimbra, depois deste ter dito que «os brasileiros já sabem que não vão ser financiados pelo Estado Português. Não podem querer mudar as regras a meio do jogo. Entram com a condição de pagar por inteiro o curso, e assim têm de se manter até ao fim. O mesmo se passa quando vão estudar para os Estados Unidos, a Inglaterra, e muitos outros países»

PUBLICIDADE

reitor uc

Num longo comunicado a A APEB/Coimbra “vem a público manifestar indignação com uma nota publicada pelo reitor da Universidade de Coimbra (UC), João Gabriel Silva, na tarde desta segunda-feira (02/04)”.

PUBLICIDADE

Dizem os estudantes que no seu posicionamento o Reitor “usou argumentos utilitaristas, descuidados e inconsistentes, além de manipular informações de forma tendenciosa e sem transparência. Não foram apresentadas as fontes nas quais o reitor baseia suas alegações, como os relatórios detalhados com os custos de formação de alunos/as”.

Além disso, nas palavras displicentes do reitor, as relações entre Brasil e Portugal são tratadas como um “jogo”, acusam estes alunos da UC

PUBLICIDADE

publicidade

Sobre a declaração, a APEB/Coimbra esclarece que:

1) É importante lembrar que o acordo entre Brasil e Portugal que cria o estatuto da igualdade foi assinado em 22 de abril de 2000, data de 500 anos do Brasil. O tratado foi sancionado cinco meses depois, pelo então presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos. O então parlamentar, ressalte-se, formou-se em Direito na UC, a mesma instituição que hoje recusa-se a aceitar o tratado.

2) Os/as brasileiros/as beneficiados/as pelo estatuto de igualdade são, obrigatoriamente, residentes em Portugal. Essa é uma condição necessária para a aquisição do documento. A informação, inclusive, está disponível na página do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) na internet.

3) É importante sublinhar que os/as brasileiros/as abrangidos/as pelo Estatuto da Igualdade possuem os mesmos direitos e deveres que os/as nacionais portugueses/as. O documento, portanto, tem validade imediata quando concedido a um/a brasileiro/a, cabendo à UC se submeter à equiparação entre as nacionalidades. Assim, um/a estudante abrangido/a pelo estatuto da igualdade não pode ser considerado um/a estudante internacional. O artigo 15º do capítulo I do acordo entre as duas nações trata da equiparação de direitos e tem o seguinte texto: “Os cidadãos brasileiros a quem tiver sido concedido o estatuto de igualdade gozam, a partir do registo da decisão, dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres dos cidadãos nacionais” (grifo nosso). As exceções são ao direito a proteção diplomática e ao acesso a cargos como o de Presidente da República.

4) É imperioso destacar que a UC aceita outros tratados internacionais firmados junto a países com os quais Portugal tem uma relação histórico-colonial. De forma curiosa, porém, a “universidade mais brasileira fora do Brasil” não respeita um acordo entre Brasil e Portugal.

5) A não aceitação imediata do estatuto da igualdade com a mudança de regime e equiparação das propinas é o que tem motivado os processos contra a UC. Testemunho sejam as palavras do reitor, ao dizer que “houve diversos processos em Tribunal intentados por brasileiros”. Confissão institucional, que endossa nossa luta na defesa dos/as brasileiros/as insatisfeitos/as com os valores das propinas e com o descumprimento do tratado de amizade entre Brasil e Portugal.

6) A nota também declara que as decisões da Justiça são “sempre” favoráveis à UC. A APEB/Coimbra tem acompanhado estudantes que acionaram o Poder Judiciário e desconhece sentenças contra os pedidos dos/as estudantes. Solicitamos, assim, que a UC torne públicos esses processos mencionados.

7) A nota afirma que o governo português criou o regime jurídico para os/as estudantes estrangeiros/as. No entanto, omite que essa era uma antiga reivindicação do Conselho dos Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), em uma demanda encabeçada pela própria UC, a primeira a diferenciar as propinas entre brasileiros/as e portugueses/as. O mencionado conselho, inclusive, participou da elaboração do texto que cria a diferenciação.

8) A resposta da UC é inconsistente quando afirma que invocar o estatuto da igualdade para requerer a equiparação de propinas é uma “mistificação”. A aceitação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como avalição para ingresso na UC é regida por um protocolo de intenções assinado em 2014 pela universidade e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação do Enem no Brasil (o documento está disponível no link: http://www.uc.pt/brasil/faq). Esse protocolo permite o acesso da universidade portuguesa à base de dados do Enem. De acordo com a cláusula segunda, item II-c do protocolo, cabe à UC “responsabilizar-se pela selecção dos participantes, conforme resoluções próprias, levando em consideração a nota obtida pelo candidato no Exame”. A aceitação do Enem é uma decisão da UC e não exime a instituição de se submeter ao tratado de amizade assinado entre Brasil e Portugal. É importante ressaltar que os/as estudantes de mestrado também pagam propinas até sete vezes maiores. Esses/as estudantes não ingressam na UC por meio do Enem, mas por meio dos mesmos processos de seleção pelos quais passam os/as estudantes portugueses/as.

9) As instituições de ensino público no Brasil não fazem discriminações entre estudantes brasileiros/as e internacionais. Todos/as gozam dos mesmos direitos e deveres, independentemente da nacionalidade.

A APEB/Coimbra ainda lamenta que a UC tenha tornado pública sua posição em uma nota meramente especulativa e carente de argumentos sólidos. Essa posição da UC ainda reflete um tratamento do ensino público como uma mercadoria e não como uma ferramenta de desenvolvimento da educação para todos e todas.

O manifesto que demanda a imediata aplicação do estatuto da igualdade para fins de equiparação dos valores das propinas entre brasileiros/as e portugueses/as, publicado no último dia 28 de março, contou com apoio da comunidade acadêmica, de docentes e de parlamentares. Entre os que endossaram o manifesto estão a Associação Académica de Coimbra (AAC), o Sindicato dos Estudantes, além de lideranças estudantis dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Também aderiram ao documento os professores universitários Ernesto Costa e Elísio Estanque, integrantes do Conselho Geral da UC, e o deputado José Manuel Pureza (BE), parlamentar da Assembleia da República.

A luta pela igualdade de propinas, portanto, tem o apoio da comunidade acadêmica, inclusive com representantes de instituições acadêmicas de Portugal e dos PALOP e também do Poder Legislativo português. A ampla adesão ao manifesto é reflexo do reconhecimento aos equívocos da política da UC, que ferem os princípios de uma educação democrática, acessível e de qualidade para estudantes de todas as nações.

Por fim, a APEB/Coimbra convida o reitor para ter assento na mesa do Terceiro Fórum de Igualdade das Propinas, com data a ser divulgada. Essa vai ser uma oportunidade para demonstrar, com mais clareza, os argumentos elencados na nota que divulgou. Nós, da APEB/Coimbra, cremos que todas as chances para discussões públicas e trocas de ideias devem ser aproveitadas em um ambiente democrático. A comunidade acadêmica não pode prescindir desses esclarecimentos, tão importantes para a melhoria das condições dos/as estudantes da Universidade de Coimbra.”

universidade (1)

Segundo a UC, aqueles que vêm a Portugal só para tirar um curso superior têm de pagar por inteiro os custos da sua formação universitária. A mesma posição tem vindo a ser tomada por muitos países europeus, que cobram aos estudantes estrangeiros propinas mais elevadas que aos seus nacionais.

No caso da Universidade de Coimbra, «as propinas pagas pelos portugueses cobrem apenas cerca de um sétimo dos custos. Tendo os estudantes internacionais que pagar por inteiro o seu curso superior, é fácil perceber que, se os portugueses pagam mil euros de propinas por ano, os internacionais têm de pagar sete mil euros», sublinha o reitor, João Gabriel Silva.

A UC salienta que quando tomou a decisão de deixar de pagar o curso aos internacionais não residentes, o Governo criou a possibilidade de as universidades abrirem uma via de acesso só para estudantes internacionais, com vagas próprias e com a condição de não financiar os estudantes que entrassem por esse canal.

Esse canal de acesso não está aberto aos portugueses, e é por ele que tem entrado a larga maioria dos brasileiros, permitindo, por exemplo, que concorram com os resultados do exame brasileiro de acesso ao ensino superior, não tendo de fazer os exames portugueses. O Brasil não permite o inverso, pois os portugueses não podem concorrer às universidades brasileiras com os exames portugueses, nem há vagas reservadas para portugueses, pelo que invocar aqui o estatuto da igualdade é mistificação.

Quando se candidatam, «os brasileiros já sabem que não vão ser financiados pelo Estado Português. Não podem querer mudar as regras a meio do jogo. Entram com a condição de pagar por inteiro o curso, e assim têm de se manter até ao fim. O mesmo se passa quando vão estudar para os Estados Unidos, a Inglaterra, e muitos outros países», afirma o reitor da UC.

João Gabriel Silva salienta que a Universidade de Coimbra «respeita inteiramente a Lei. Já houve diversos processos em Tribunal intentados por brasileiros, com o objetivo de tentar mudar o valor da propina, e foi sempre dada razão à Universidade.»

Aos brasileiros residentes (há pelo menos dois anos à data de candidatura, com visto que não seja de estudos), o Estado Português paga o curso superior, em respeito pelo estatuto de igualdade estabelecido pelo Tratado de Amizade entre Portugal e o Brasil. Aos não residentes, não paga. São estas as regras, bem conhecidas desde o início, e aplicadas por todas as universidades portuguesas.

A Universidade de Coimbra «orgulha-se de atrair muitos estudantes estrangeiros, demonstrando assim que é uma Universidade de qualidade internacional. Tudo faz para que tenham uma formação universitária de grande nível», conclui o reitor.

Related Images:

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE