Coimbra

“Último grito” da iluminação está a tornar a noite mais dia com efeitos na saúde

Notícias de Coimbra | 6 anos atrás em 31-08-2018

As lâmpadas LED brancas, apresentadas como o ‘último grito’ da iluminação, estão a tornar a noite cada vez mais dia, agravando a poluição luminosa e os efeitos na saúde das pessoas e na vida de animais e plantas.

PUBLICIDADE

O retrato é do astrofísico Raul Cerveira Lima, especialista em poluição luminosa e professor na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico do Porto.

PUBLICIDADE

“Nunca houve tanta luz à noite como agora”, afirma à Lusa, acrescentando que as LED brancas, publicitadas “como o último grito” da iluminação devido à sua maior eficiência energética quando comparadas com outras luzes, estão a levar ao aumento do seu consumo.

“Estão a entrar em massa nas nossas casas e estão a ser postas em massa no exterior”, assinala. Consequência: “aumento da poluição luminosa [iluminação excessiva] a grandes distâncias” porque a “luz branca espalha-se muito mais”.

PUBLICIDADE

publicidade

Segundo Raul Cerveira Lima, as LED brancas, que “simulam o dia”, estão a transformar a “paisagem noturna” e a ser instaladas “sem qualquer ponderação sobre os seus efeitos” na saúde humana, nos ecossistemas e no ambiente.

Um desses efeitos, salienta, é a perturbação no sono.

A luz LED branca tem na sua composição um comprimento de onda azul muito pronunciado que, explica, agrava, quando comparada com outras luzes, a redução da produção de melatonina, a hormona do sono que é desencadeada à medida que escurece o dia. A privação do sono pode aumentar o risco de depressão, obesidade, diabetes e potenciar o cancro de origem hormonal (cancro da mama e da próstata).

Em experiências de laboratório, realça Raul Cerveira Lima, o cancro da mama “evoluiu muito mais rapidamente” nos ratinhos que estavam expostos a luz LED branca.

Nas aves migratórias, o excesso de iluminação exterior, potenciado por estas luzes, está desorientá-las e a encandeá-las.

“Morrem aos milhões em países como os Estados Unidos e o Canadá por desorientação”, descreve o docente, que também é membro do Centro de Investigação da Terra e do Espaço e do Observatório Geofísico e Astronómico, ambos da Universidade de Coimbra.

A Alemanha, conta, reduziu a iluminação pública porque o número de insetos estava a diminuir, um facto “inexplicável só pelo uso de pesticidas”. As aranhas “beneficiam temporariamente” da luz artificial, que atrai presas como os insetos.

As lâmpadas LED brancas dão mais luz, duram mais tempo e reduzem os custos com a fatura da eletricidade, face a outro tipo de lâmpadas, como as de halogéneo, conhecidas pela sua forma de pera ou vela e cuja venda passa a estar proibida a partir de sábado.

Contudo, avisa Raul Cerveira Lima, a luminosidade por elas difundida afeta também a vida de espécies como os pirilampos, que “não conseguem comunicar” através da luz fosforescente que emitem naturalmente devido ao excesso de luz artificial, e das plantas, que não têm “descanso noturno” e crescem de dia e de noite.

“Nas árvores das grandes cidades é visível ainda no inverno a persistência de algumas folhas em ramos próximos de candeeiros”, refere.

A estes efeitos, o especialista acrescenta o desperdício de energia e a emissão de mais dióxido de carbono para a atmosfera, uma vez que “a tendência tem sido pôr mais luz LED branca” nas ruas, em substituição da luz alaranjada das lâmpadas de vapor de sódio, porque “é mais económica”.

“Está-se a gastar mais do que o necessário”, aponta.

Por outro lado, mais iluminação pública significa menos estrelas no céu observáveis.

“Até aos anos 80 via-se a Via Láctea no Porto, que é [agora] umas das cidades com maior poluição luminosa em Portugal”, diz, frisando que “todo o norte litoral é uma fonte extrema de poluição luminosa constatável por imagens de satélite”.

Como solução, Raul Cerveira Lima sugere o uso em casa ou na rua das lâmpadas LED âmbar ou LED PC âmbar, de cor amarelo-alaranjada, que, apesar de serem “ligeiramente mais caras e menos eficientes” do que as lâmpadas LED brancas, “não têm os seus impactos”.

O investigador defende ainda a diminuição da iluminação pública.

“Portugal é um dos países da Europa com mais poluição luminosa e um dos países onde a poluição luminosa mais tem crescido”, assinala, enumerando como razões o uso acrescido de lâmpadas LED brancas e a “falta de regulamentação” que defina os limites para a iluminação excessiva.

“Qualquer pessoa, qualquer município pode colocar a quantidade de luz que quiser, não há qualquer limite legal. Isso é dramático”, sustenta o investigador, considerando que a “iluminação pública é exageradíssima em Portugal”, com “valores que podem ser três ou quatro vezes superiores aos que se usa na Alemanha, na Suíça e em França para um passeio ou uma rua”.

Em França, relata, os ecrãs publicitários têm de estar desligados entre a 01:00 e as 06:00 e há vilas sem iluminação exterior a partir de certa hora da noite para se poder ver as estrelas.

“Nalguns locais de Madrid e Barcelona [Espanha] tudo tem de estar desligado a partir das 22:00”, acrescenta. Em Berlim, na Alemanha, “ainda se vê a Via Láctea”.

Raul Cerveira Lima apela ao “bom senso na utilização da luz”, lamentando que se esteja “a aceitar em Portugal, sem qualquer discussão pública, a transformação da paisagem noturna, cujos efeitos vão ser por anos, provavelmente décadas, e com consequências imprevisíveis”.

O especialista recorda que “a própria indústria reconhece alguns efeitos” da luz LED branca, com “vários fabricantes a suprimirem” a componente azul do seu espetro nos ecrãs de telemóveis e computadores.

À tese de que mais luz nas ruas traz mais segurança, Cerveira Lima contra-argumenta que muitas vezes os condutores se esquecem de ligar os faróis dos carros, pondo em perigo os peões, devido ao excesso de iluminação nas estradas, sobretudo nas cidades.

Related Images:

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE