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Transformação digital coloca China na ‘era pós-privacidade’ e abre “caixa de Pandora”

Notícias de Coimbra | 4 anos atrás em 19-01-2020

Chang não atravessa a rua fora da passadeira desde que, da última vez, recebeu imediatamente uma multa para pagar no telemóvel; Yuan conduz com cautela, sabendo que uma infração pode-lhe deduzir prontamente pontos na carta.

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A liderança em redes de quinta geração, reconhecimento facial, Inteligência Artificial ou ‘big data’ [análise de dados massiva] colocou a China na vanguarda da transformação digital, permitindo a criação de cidades inteligentes, sistemas de mobilidade compartilhada ou o desaparecimento do dinheiro físico.

Críticos alertam, no entanto, para a entrada da sociedade chinesa numa ?era pós-privacidade’, que suscita novas questões éticas e legais, à medida que a conveniência gerada pelos avanços tecnológicos acarreta custos para a privacidade e ameaças para a segurança.

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“Hollywood devia fazer um filme sobre isto”, comenta à agência Lusa um matemático indiano a residir nos Estados Unidos, e especialista em ‘big data’, na sua primeira visita à China.

“A quantidade de dados acumulados e a falta de regulação criaram aqui um mundo novo”, observa.

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Tom Van Dillen, gestor em Pequim da consultora Greenkern, explica assim a rápida implementação das novas tecnologias no país asiático: “Quanto mais privacidade estás disposto a perder, mais conveniente a tua vida se torna”.

“O que realmente me impressiona é que,a necessidade, por conveniência, tornou-se uma parte tão elementar de como as pessoas entendem a liberdade, que estão dispostas a sacrificar a sua própria privacidade”, explica.

Michael Zakkour, vice-presidente da consultora Asia Market Strategy, considera, em declarações à Lusa, que se trata de um fenómeno global e não exclusivo da China: “moral, ética e legalmente, as sociedades não acompanharam as implicações da transformação digital para a existência humana”.

Mas o Governo chinês tem utilizado os novos recursos tecnológicos para aprimorar o seu caráter totalitário e reforçar os instrumentos de controlo da polícia chinesa, que detém já amplos poderes para conduzir interrogatórios e fazer detenções.

Cerca de 200 milhões de câmaras de vigilância foram, nos últimos anos, instaladas nas principais cidades do país, segundo dados oficiais. Muitas estão dotadas de reconhecimento facial, que é cada vez mais complementado com a instalação nas ruas, bairros ou acesso a edifícios residenciais, de coletores de números internacionais do subscritor móvel (IMSI, na sigla em inglês) e os números de série eletrónicos (ESM) dos telemóveis – cada dispositivo tem os seus próprios números -, permitindo associar o rosto ao telemóvel de quem vai passando.

“As pessoas passam e deixam uma sombra; o telefone passa e deixa um número. O sistema conecta os dois”, lê-se numa brochura de uma empresa chinesa que desenvolve aquele tipo de sistema de vigilância para esquadras de polícia locais.

No entanto, num momento em que a privacidade e uso de dados dos utilizadores são alvo de debate político e legislação no Ocidente, sobretudo após escândalos como os do uso de dados de utilizadores do Facebook pela empresa Cambridge Analytica nas eleições presidenciais norte-americanas de 2016, também na China começam a surgir sinais de consciencialização, sobretudo quanto à segurança dos dados – dados pessoais são frequentemente vendidos a grupos que levam a cabo esquemas fraudulentos por telefone.

Num caso recentemente noticiado pela imprensa chinesa, Guo Bing, professor de Direito na Universidade de Ciência e Tecnologia da província de Zhejiang, na costa leste do país, apresentou queixa contra um zoológico local que exigia aos visitantes que se submetessem a reconhecimento facial.

Guo argumentou que o vazamento ou uso fraudulento de dados pessoais “pode facilmente comprometer a segurança e a propriedade dos consumidores”.

Os comentários sobre o caso acumularam mais de 100 milhões de visualizações na rede social Weibo, o Twitter chinês, com muitos internautas a pedir a proibição total da coleta de dados biométricos.

Num artigo recente, Lao Dongyan, também professor de Direito na prestigiada Universidade Tsinghua, em Pequim, descreveu mesmo o reconhecimento facial como “um pacto com o diabo”.

“A promoção arbitrária desta tecnologia (…) abrirá a caixa de Pandora”, comentou. “O preço a pagar não será apenas a nossa privacidade, mas também a própria segurança”.

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