Portugal

Obituário: Carlos Tomás, adeus ao jornalista que colocou o nome de Jorge Sampaio no caso da Casa Pia e deu início ao escândalo de Miguel Relvas 

Frederico Duarte Carvalho | 7 meses atrás em 24-09-2023

O jornalista Carlos Tomás faleceu no dia 22. Tinha 52 anos. Fica conhecido pelas investigações que fez do caso Casa Pia e, entre outras, a denuncia do escândalo universitário de Miguel Relvas.

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A notícia começou a espalhar-se pelas redes sociais durante a manhã do dia 23: morrera o jornalista Carlos Tomás, 52 anos. Adiantou-se depois a causa da morte: AVC. Para quem conhecia o Carlos – como é o caso de quem assina estas linhas –, sabia-se que vivia amargurado por estar afastado daquilo que sempre gostara de fazer: jornalismo de investigação.

Carlos Tomás, nascido na antiga Sá da Bandeira – actual Lubango, Angola –, começou a trabalhar como jornalista há 34 anos, no ano da queda do muro de Berlim (1989), na Rádio Jornal da Madeira. Passou depois pela Rádio Clube do Funchal, Estação Rádio Madeira e Rádio Comercial. A seguir, foi para a imprensa, com passagens pelo Comércio do Porto, Norte Desportivo, Correio da Manhã e Jornal de Notícias.

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Foi no Jornal de Notícias (JN) que o caso da Casa Pia apanhou Carlos Tomás a coordenar a secção “Grande Lisboa”. As notícias do semanário Expresso falavam de um funcionário da instituição do Estado, Carlos Silvino, que violara dezenas de crianças aos longo de mais de 20 anos. Ao princípio, Carlos não estava muito interessado no caso, mas depois, quando a ex-secretária de Estado da Família, Teresa Costa Macedo, começou a expor publicamente aquilo que seria uma rede pedófila, Carlos foi um dos muitos jornalistas que agarrou o caso. Só que isso teve um preço: a sua carreira.

“Pela primeira vez na minha curta carreira de jornalista, iniciada apenas em 1989, senti-me enganado e manipulado. O pior é que esse logro e manipulação partiu de onde menos o esperava: do próprio Estado”, escreveu Carlos Tomás no livro publicado em 2004, “Carlos Cruz – As Grades do Sofrimento”, que assinou em conjunto com a ex-mulher do apresentador, Marluce.

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Formado em Direito, o trabalho jornalístico de Carlos Tomás em torno processo Casa Pia levou-o a entrar em caminhos que não estava habituado: a política. Ele nunca fora muito politicamente correto e gostava de ser assertivo no que escrevia e investigava. Exemplo disso foi quando encontrou, nos anexos do processo, uma carta anónima que implicava, entre outros, o comissário europeu António Vitorino e o Presidente da República, Jorge Sampaio. 

O facto dessa carta ter passado, de forma oficial, para o dossier do processo, levou Carlos a fazer notícia, que seria publicada no JN do dia 1 de Janeiro de 2004. Era feriado e o jornal de Carlos foi o único que saiu para as bancas nesse dia. O caso incomodou as altas instâncias do País: Durão Barroso, então primeiro-ministro, telefonou a Jorge Sampaio em solidariedade, enquanto a mais alta figura na nação condenava a divulgação do segredo de justiça. 

O nome de Carlos Tomás e a sua forma de fazer jornalismo não combinavam com o país do politicamente correto. Isso começou a deixar marcas na sua imagem profissional e no percurso que se seguiria. Com passagens pelo grupo Impala, onde participou num projeto jornalístico que prometia muito, mas que depois fracassou, ainda regressou ao Correio da Manhã, com a missão de implantar o jornal no Porto. Mas aquele já era um Carlos Tomás que, pouco a pouco, percebia que havia pouco espaço para o seu estilo. E isso começou a cobrar a nível pessoal, tal como reconheceu em recente entrevista na TVI, a Manuel Luís Goucha, pessoa com quem colaborava na rubrica “Ficheiros de Polícia”.

O Caso Casa Pia era a sua investigação principal. Foi ele quem conseguiu, em 2011, uma entrevista com o principal arguido, Carlos Silvino, onde este revelava que mentira em tribunal e que não conhecia os outros arguidos . Carlos Tomás foi criticado por a entrevista não ter sido obtida da forma mais clara, deixando transparecer que o trabalho jornalístico tinha como propósito defender o apresentador Carlos Cruz, sobretudo depois de ter escrito um livro em conjunto com a sua ex-mulher.

Enquanto muitos o criticavam, outros também deixavam em caixas de comentários mensagens como, por exemplo, “Carlos Tomás é um jornalista que não se cala, não se rende e, acima de tudo não se vende”. Entre outras publicações onde ia colaborando, também passou pelo jornal “O Crime”, onde foi diretor. Foi ele quem, em Maio de 2012,  deu início à investigação que iria culminar com o escândalo em volta do processso de licenciatura do ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas.

Uma notícia que foi desconsiderada na altura em que Carlos Tomás a deu, mas que, um mês depois, tornou-se no grande caso nacional. E o próprio explicaria, mais tarde, que “na altura mandei a capa do Crime para o Nuno Santos da RTP e o Nuno Santos não quis saber da capa. Será que a RTP era controlada por Miguel Relvas? Ele disse mais tarde que sofria pressões de Miguel Relvas”, conforme afirmou ao jornal digital Tugaleaks.

O funeral terá lugar na terça-feira, dia 26, em Massamá. Que descanse em Paz, aquela mesma Paz que tanto lhe faltou enquanto, como jornalista, por aqui andou a desassossegar as mentes bem-pensantes do País.

Em agosto, Carlos Tomás esteve a “passar uns tempos”, em Porto das Vacas, no concelho de Pampilhosa da Serra.


 

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