Justiça

Juiz Santos Cabral recorda primeiro julgamento com impacto mediático 

Notícias de Coimbra | 2 anos atrás em 22-10-2022

 O juiz Santos Cabral, que integrou o tribunal que julgou Juan Krohn por tentativa de homicídio do Papa João Paulo II, considera que este foi o primeiro julgamento com impacto mediático e o que teve maior projeção internacional.

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“Este foi o primeiro julgamento com impacto mediático. Foi o primeiro em que houve esta interação entre o tribunal e a comunicação social e a opinião pública”, afirmou à agência Lusa o juiz conselheiro jubilado Santos Cabral, numa entrevista no âmbito das II Jornadas de Direito Criminal da Comarca de Santarém, sobre os 40 anos do processo-crime da tentativa de atentado contra o Papa, em 12 de maio de 1982, no Santuário de Fátima.

Santos Cabral disse não vislumbrar, “posteriormente a este processo, em termos de projeção internacional”, nenhum outro à escala do país.

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“Houve muitos mediáticos (…), mas não com a projeção internacional que este, efetivamente, teve”, frisou.

Santos Cabral era juiz titular no Tribunal de Vila Nova de Ourém quando, em 12 de maio de 1982, o então padre Juan Krohn tentou matar João Paulo II, e, na qualidade de juiz adjunto, integrou o tribunal coletivo com Políbio Flor (presidente) e Joaquim Soares Rebelo.

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Nessa noite, o magistrado judicial, à data com 32 anos, estava em casa a ver as cerimónias religiosas pela televisão.

“Apercebi-me de que havia qualquer coisa de inusitado, qualquer coisa de estranho. E pensei ‘vou ter trabalho amanhã’. E tive”, recordou Santos Cabral, admitindo surpresa pelo acontecimento.

“É algo que nós não estamos à espera, muito menos em Fátima e naquelas circunstâncias. Como cidadão fiquei surpreendido, realmente, por aquilo que estava a acontecer. Depois, encarei profissionalmente, pensei naquilo que se iria seguir àquele ato, o processo”, contou.

Santos Cabral admitiu que o coletivo de juízes tinha “uma responsabilidade acrescida pelo facto de, além da procura da justiça”, também de que “a dinâmica do julgamento fizesse transparecer uma imagem positiva do tribunal”.

“Eu sentia que estava em causa não só aquele tribunal, não só aquela vida [do arguido], como o próprio nome do nosso país”, adiantou.

Do julgamento, apontou como “única dificuldade” o “próprio comportamento do arguido” o qual descreve como tendo uma “personalidade complexa”, que 40 anos não fizeram esquecer.

“Ele estava ali a dialogar com ele próprio, não estava a dialogar com o tribunal, não pretendia dialogar com o tribunal”, apesar de ter confessado o crime, declarou o juiz conselheiro jubilado, referindo que também não estava disposto a acatar a disciplina que numa sala de audiências se impõe.

Segundo a imprensa da época, o arguido ia para a sala de audiências descalço, chegou a tentar queimar um cartaz de João Paulo II, ameaçou despir-se e injuriou os magistrados judiciais.

“Esse comportamento, realmente, foi a única disrupção que existiu naquele julgamento”, apontou.

O tribunal acabou por afastar a inimputabilidade do arguido.

“Este homem não é uma personalidade distorcida. Ele sabia, perfeitamente, aquilo que estava a fazer. Era intelectualmente um homem evoluído (…). Era um homem [em] que o mundo se dividia de uma forma maniqueísta, era o bem e o mal. E ele estava do lado do bem [e o Papa] do lado do mal”, referiu.

Segundo Santos Cabral, “ele tinha de fazer aquilo que fez, de alguma forma tinha de projetar as suas ideias para o mundo ter a consciência da maldade que o Papa personificava”.

Questionado se este foi o julgamento que mais o marcou na sua carreira de magistrado judicial, Santos Cabral respondeu: “Marcou-me pela responsabilidade. Mas, no aspeto humano, houve outros julgamentos que me marcaram mais, em qualquer uma das instâncias em que eu estive, pelo aspeto humano ou pela crueldade, pelo aspeto positivo e pelo aspeto negativo”.

Além de cartas que enviou para o tribunal e que constam nos autos, Santos Cabral guarda uma que o arguido lhe dirigiu pessoalmente e que “dizia a mesma coisa de sempre, da justiça daquilo que ele estava a fazer e da injustiça de que tinha sido alvo”.

O antigo diretor nacional da Polícia Judiciária acrescentou que depois acompanhou, pontualmente, a vida de Juan Krohn, movido pela curiosidade sobre a que é que tinha conduzido a personalidade do então padre.

 

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