A jurista e docente universitária Patrícia Jerónimo considerou que a revisão da legislação para expulsar estrangeiros corresponde à vontade política do Governo em demonstrar uma “política musculada” na gestão das fronteiras e não a qualquer necessidade de mudança legal.
“No que diz respeito à expulsão ou afastamento de nacionais de países terceiros à União Europeia do território português, eu acho que a lei, tal como está, já é suficientemente adequada”, afirmou à Lusa a investigadora da Universidade do Minho, docente em matérias como Migrações e Direitos Humanos.
“A narrativa do Governo tem sido sempre, como sucedeu com a nacionalidade ou com a questão do reagrupamento familiar, de que a lei ou a situação deixada pelo PS [em matéria de migrações] é uma balda, mas não é verdade, pelo menos do ponto de vista legal”, salientou.
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O executivo já anunciou que pretende rever a legislação, para facilitar a expulsão de estrangeiros irregulares, tudo indicando que os prazos de detenção serão aumentados e reduzidas as salvaguardas administrativas, no quadro da própria revisão anunciada da diretiva europeia de retorno, associada ao Pacto para as Migrações e Asilo.
As atuais normas, que fazem parte do capítulo VIII da Lei de Estrangeiros, sobre “afastamento do território nacional”, já preveem o afastamento voluntário e coercivo, nalguns casos de modo imediato caso exista risco, uma “malha normativa que já permite salvaguardar os interesses do Estado”, refere a docente.
“Uma coisa é ineficácia das instituições para pôr a lei em prática, outra coisa é dizer que o problema é o quadro normativo”, avisou, salientando que qualquer mudança da legislação deve respeitar os limites impostos pela diretiva comunitária do retorno, de 2008.
Em 2020, o Parlamento Europeu concluiu que, em 2017, só 41% das ordens de afastamento foram cumpridas, por incapacidade das instituições de executarem as decisões coercivas, uma ineficácia que abrange todos os Estados Membros da UE, incluindo Portugal.
“Esse é um problema que tem de ser combatido”, mas “não deve ser à custa das garantias processuais” que constam da própria diretiva e da legislação portuguesa, referiu Patrícia Jerónimo.
Em Portugal, há “a perceção de que as autoridades de fronteira não conseguem ou têm limitações no afastamento das pessoas que estão cá de forma irregular” mas a lei “tem vários mecanismos que resolvem esse problema”, só que nem sempre as instituições conseguem pô-los em prática.
Os imigrantes com ordem de expulsão podem ser detidos mas, para tal, é necessário que os centros de detenção tenham capacidade ou que as prisões tenham alas dedicadas, o que nem sempre sucede, exemplificou.
“Tal como já aconteceu em relação ao reagrupamento familiar e também em relação à nacionalidade, eu acho que estas medidas legislativas e estas propostas do Governo fazem todas parte, um bocadinho, de uma encenação de umas fronteiras musculadas”, porque, efetivamente, a “nossa lei não é uma lei de portas abertas escancaradas, como se diz por aí”, salientou.
Por isso, “não antecipo uma alteração estrutural” da lei, mas sim novos prazos e algumas limitações de garantias, que só serão válidas se respeitarem a Constituição e os acordos internacionais a que Portugal tem de obedecer.
Exemplo disso é a necessidade de avaliar, individualmente, cada pedido de asilo, o que “exige recursos financeiros investidos no sistema”.
As “diretivas procuram sempre é criar mínimos denominadores comuns ao nível da União Europeia”, mas há margem para “alargar os prazos de detenção” ou introduzir critérios de excecionalidade em caso de entradas em massa, desde que comunicados à Comissão Europeia.
Contudo, limitar a possibilidade de pedido de asilo ou de recurso judicial são matérias que será mais difícil mudar, porque quer a UE quer a Constituição portuguesa impõem restrições.
“É evidente que se não houvesse garantias, como, por exemplo, o direito de recurso para um tribunal da decisão de afastamento, aí era tudo muito mais fácil, mas era uma violação do direito da União Europeia e das próprias normas constitucionais portuguesas”, disse, recordando que o Tribunal Constitucional, recentemente, considerou que o “acesso aos tribunais é um direito que é reconhecido não só aos portugueses como a todos os estrangeiros e apátridas que estejam em território português”.
A docente universitária lamentou quem critique esse preço a pagar, pois “há todo um conjunto de regras que evidentemente dão trabalho, custam dinheiro e exigem recursos, mas esse é o custo do Estado de direito democrático”.
“Se se queixam dos custos de ter um Estado de direito democrático que respeita os direitos humanos, imaginem os custos de um Estado que não respeita”, comentou ainda.
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