Opinião

Vale-cirurgia: quando o paciente se torna mero peão no sistema

OPINIÃO | Rui Avelar | 3 minutos atrás em 01-09-2025

Aos 73 anos de idade, uma paciente assistida no CHUC, onde espera ser intervencionada, foi instada para se sujeitar a cirurgia em Viseu ou… no Minho.

A septuagenária tem sido seguida no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, desde 2023, mas só volvido um ano houve lugar a uma consulta externa.

O primeiro percalço consistiu na constatação do desaparecimento de uma biópsia do foro ginecológico, feita, em 2023, por ocasião de um episódio de urgência.

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“No intuito de garantir que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) dá uma resposta à necessidade de cirurgia”, a paciente foi destinatária de um vale-cirurgia que lhe permite ser intervencionada em Riba de Ave, Póvoa de Lanhoso, Vila Verde ou, na melhor das hipóteses (geograficamente falando), em Viseu.

A única filha da paciente nem quer acreditar na existência de uma proposta para a septuagenária rumar ao Minho a fim de se sujeitar à cirurgia que ela espera ver realizada em Coimbra.

De resto, nem sempre uma pessoa, aos 73 anos de idade, desfruta de autonomia para encarar, de forma resoluta, a realização de uma intervenção cirúrgica a muitos quilómetros do domicílio.

Perguntarão o(a)s leitores(as): por que se tornou o Sistema Integrado de Gestão de Acesso um padrão na busca de resposta para esvaziar as listas de espera?

Salvo melhor opinião, o recurso aos vales deixa, frequentemente, de ser encarado como solução transitória para se tornar, em muitos casos, um escape estrutural de resposta às listas de espera cirúrgicas.

Neste contexto, há dinheiro que deixa de ser usado para reforço dos meios próprios do SNS.
Criou-se um ciclo de dependência do sector privado e/ou do sector social.

A gestão dos vales-cirurgia pauta-se, por vezes, pela necessidade de reagir, perante picos das listas de espera, e ignora a dimensão estratégica. Avulta, por outro lado, a escassez de planeamento a médio e a longo prazo.

Quanto custa, de facto, ao Estado esta solução, eminentemente transitória, face ao investimento que poderia ser realizado em blocos operatórios públicos e em tempos adicionais?

Já não se aprendeu o quanto baste com o caso dos médicos tarefeiros, em detrimentos de soluções estruturais?

Como se não bastasse, muitos dos hospitais privados e algumas das clínicas que recebem doentes portadores de vale-cirurgia possuem padrões de qualidade e equipamentos inferiores aos dos grandes hospitais públicos.

Quando as intervenções correm mal, sem cuidados intensivos e à míngua de valências indispensáveis face a episódios complicados, resta aos pacientes serem transferidos para o hospital público de origem.

Os interesses instalados e o desperdício, como advertia o saudoso criador do SNS, António Arnaut, são pechas que tardam em desaparecer.

Na linha do alcance do provérbio “Quando o mar bate na rocha…”, o paciente é, demasiadas vezes, um mero peão no sistema.

OPINIÃO | RUI AVELAR – JORNALISTA

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