União de Freguesias de Santa Clara e Castelo Viegas sobrevive sem tesoureiro!

Notícias de Coimbra | 7 anos atrás em 09-08-2017

O Presidente da União de Freguesias de Santa Clara e Castelo Viegas e os restantes eleitos pelo PSD/PPM/MPT não compareceram na reunião da Assembleia de Freguesia que decorreu hoje, 9 de agosto.

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A sessão do órgão liderado pelo socialista Carlos Clemente contou apenas com as presenças dos representantes do PS, CDU e CpC.

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A Assembleia de Freguesia foi convocada para escolher o novo tesoureiro da União de Freguesias, função que se encontra sem titular desde abril, na sequência do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, que no inicio do ano retirou o mandato a António Pinto Lopes,  tesoureiro que juntava a remuneração de autarca a uma avença como como contabilista da autarquia.

Carlos Clemente convocou nova reunião da União de Freguesias de Santa Clara e Castelo Viegas para o dia 21 de agosto, altura em que espera que José Simão indique alguém para o lugar vago.

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José Simão (PSD/CDS/PPM/MPT), Carlos Clemente (PS),  Victor Simões (CpC) e Isabel Paiva (SC) disputam as próximas eleições.

Veja o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
Ministério Público, no âmbito da Ação Administrativa Urgente para Declaração de Perda de mandato, apresentada contra AAMPL, inconformado com a decisão proferida no TAF de Coimbra que em 12 de Outubro de 2016 declarou a mesma improcedente, veio recorrer jurisdicionalmente para este Tribunal Superior, concluindo a final:
“1ª – Da sentença ficou assente que o Réu AAMPL, Tesoureiro da Junta de Freguesia da União de Freguesias de SC e CV, tendo sido eleito membro da Assembleia de Freguesia nas eleições autárquicas realizadas em 29.09.2013;
2ª – Foi escolhido e nomeado como Tesoureiro da Junta para o quadriénio de 2013/2017 na reunião de 23 de Outubro de 2013, com as competências de contabilidade, tesouraria, finanças, desenvolvimento económico, planeamento e gestão e substituição do presidente nos seus impedimentos e faltas, iniciando funções nesse mesmo dia.
3ª – Na reunião de Junta de 19 de Dezembro de 2013 “O Sr. Presidente apresentou proposta para a contratação de serviços por ajuste direto, de um assessor técnico que possua conhecimentos e experiência do sistema POCAL (Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais), para a área de Contabilidade da Junta de Freguesia no sentido de criar convergência dos vários programas de apoio à gestão autárquica.”
Mais disse o Sr. Presidente que “o custo desta contratação não pode ultrapassar os três mil euros (3.000€) anuais.” (Veja-se ata nº5).
4ª – Foi decidido nessa reunião, por proposta do Sr. Presidente que, para tal efeito, fosse contratado o ora, Réu, o que assim se verificou com a aprovação dos membros do Executivo, não estando presente o Réu nessa reunião (Doc.3 da p.i.).
5ª – Assim ao abrigo do art. 1154º do Código Civil, em 01 de Janeiro de 2014 foi celebrado um contrato de Prestação de Serviços em que surgia como 1º Outorgante a União de Freguesias de SC e CV, representada pelo seu Presidente JAGSS, e 2ª Outorgante o Réu, AAMPL, a exercer funções de Tesoureiro naquela Junta de Freguesia (doc.4).
6ª – Mais ficou estabelecido naquele contrato que o Réu, 2º Outorgante em contrapartida da sua atividade exercida, será compensado pelo 1º Outorgante mediante o pagamento anual de 3.000,00 euros (três mil euros), 250,00€ mensais (duzentos e cinquenta euros) – veja-se ata nº5 de 19.12.2013 e doc.4).
7ª – Com tal atuação, dúvidas não houve na sentença recorrida que o Réu agiu ao arrepio do art. 4º da Lei nº29/87, de 30.06, republicada pela Lei nº52-A/05, de 10.10, já que não podia ser contratado pela Freguesia e receber contrapartida patrimonial por estar impedido de o fazer por força de tais dispositivos legais.
8ª – Na verdade, tal Lei fixa aos eleitos locais “em matéria de prossecução do interesse público” o dever de “não intervir em processo administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado (…) e o dever de “não celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão.”
9ª – Além de que ao agir desta forma foi contra o legalmente previsto no art. 44º, nº1 do CPA, então em vigor, que nos diz: “Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos seguintes casos: a) Quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa.”
10ª – Foi então considerado provada na sentença parte dos requisitos que fundamentam a perda de mandato prescrita no art.8º, nº2 da Lei nº27/96, de 01.8, a saber: o facto do Réu, membro do órgão autárquico, no exercício das suas funções ter intervindo em contrato relativamente ao qual se verificou impedimento legal.
11ª – Já não se considerou provado que o Réu sabia que não podia ser contratado pela junta de freguesia e receber a contrapartida patrimonial por isso, por estar impedido de o fazer por força do art. 4º da Lei nº29/87, de 30.06, na redação da Lei nº52-A/2005, de 10.10, nem tão pouco o disposto no art. 44, nº1 do CPA, assim como tivesse intenção de obter vantagem patrimonial para si, o que afastaria qualquer censura, por isso, sendo impossível pelos factos dados como provados concluir que o Réu tivesse consciência da ilegalidade do contrato e da decisão de contratar.
12ª – Salvo melhor opinião não acolhemos tal entendimento, na medida em que, o Mmo Juiz “a quo” baseia tal conclusão, em primeiro lugar no facto de, citando, “que a sua passagem ao regime de permanência sem exclusividade só não foi aprovada por unanimidade porque o Réu, presente, se absteve, e que o vencimento do Réu no regime de permanência sem exclusividade é de 839€, bem mais do que a soma da compensação mensal do Réu sem regime de permanência com os 250€ mensais do contrato de prestação de serviços.”
13ª – Ora, de tal factualidade não se poderá concluir que o Réu não sabia que ao ser eleito e Tesoureiro da Autarquia lhe era vedado por lei celebrar o contrato em causa com a Autarquia, quando muito, o que se pode retirar objetivamente da sua abstenção no sentido de não passar ao regime de permanência sem exclusividade era que o Réu não queria trabalhar nesse regime que lhe ocuparia mais tempo de serviço na Autarquia, ficando com menos disponibilidade de horário e, consequentemente lhe retirava tempo para outros serviços pagos ou não pagos, ou outros afazeres da sua vida pessoal, e, ponderando, achou que seria preferível ganhar os tais 250€ mensais pelos serviços prestados na sequência do contrato agora em análise que ilegalmente celebrou com a Autarquia.
14ª – Dito de outra forma, não se pode concluir que, pelo facto de o Réu deixar de poder ganhar 839€ mensais caso se não tivesse abstido da proposta da sua passagem ao regime de permanência sem exclusividade na Autarquia e, em vez disso, aceitasse receber, mais tarde, apenas 250 € mensais por via do contrato de prestação de serviços, que este não seria conhecedor de que não podia ser contratado pela junta de freguesia e receber contrapartida patrimonial por isso, porque estava impedido de o fazer atento o art.4º da Lei nº 29/87, de 30.6, na redação da Lei nº52-A/2005, de 10.10, o que se verificou e, com isso enveredou assim pela via ilegal.
15ª – Estamos assim perante uma mera conjetura e, apenas vale por isso mesmo.
16ª – Numa segunda abordagem o Mmº Juiz “a quo” ainda refere na sentença que é “… facto notório que as juntas de freguesia laboram com meios humanos exíguos – sem que as suas decisões sejam preparadas por pessoal técnico superior especializado. Aliás, dos factos alegados não consta que a decisão do executivo, de contratar, tenha sido tomada ao arrepio de uma informação técnica no sentido da sua proscrição legal. A própria menção em ata da decisão de contratar o Réu e a outorga do contrato em nome próprio, sem recurso a um qualquer “testa de ferro”, são indícios da ignorância da ilegalidade.”
17ª – Quer dizer-se com isso que o facto de ser notório que as juntas de freguesia trabalhem com meios técnicos escassos e sem pessoal técnico especializado pode levar a que se cometam ilegalidades como a presente, sem que o executivo tenha conhecimento ou o aqui Réu e, que isso é o bastante para deduzir que, no caso, foi o que aconteceu, ainda mais que a contratação se deu sem prévia informação técnica, por não haver conhecimento dela.
18ª – Mais uma vez temos que discordar de tal entendimento que vai no sentido de se “desculpar” a atuação ilegal e ilícita do órgão executivo da Junta de freguesia e do aqui Réu, e abrir precedentes perigosos no sentido de virem a ser praticadas ilegalidades por causa da ignorância da lei, aliadas à falta de meios necessários para que tal aconteça.
19ª – Sendo certo que é sabido que há juntas que trabalham em circunstâncias complicadas a esse nível, todavia isso não poderá “desculpar” atuações ilícitas quer do executivo quer dos seus eleitos, sob pena de haver violações da lei impunes.
20ª – Bem pelo contrário, tais falhas deverão ser colmatadas com um maior rigor na celebração dos atos administrativos e contratos a realizar, devendo haver sempre uma maior preocupação de chegar à informação correta das situações correntes, de forma a não se ir contra o legalmente previsto.
21ª – Sendo nosso entendimento que também por aqui não se poderá chegar à conclusão que o Réu desconhecia que estava a ir contra a lei estabelecida, acima referida.
22ª – Diga-se ainda que ninguém outorga um contrato sem conhecimento e vontade de o celebrar, sendo sempre intencional e desejado o seu efeito, não sendo o Réu uma exceção, o que significa que havendo vontade, haverá sempre culpa dolosa na atuação.
23ª – Por outro lado, resulta da sentença que o Réu recebia em contrapartida do serviço prestado por tal contrato ilícito, €250 mensais, o mesmo é dizer que obtinha uma vantagem patrimonial, acrescida ao seu vencimento, que consistia no pagamento do preço estipulado nesse contrato.
24ª – Não é relevante o montante que até poderia ser menor, interessando sim o facto de que em consequência do contrato ilícito que o Réu celebrou com a Autarquia enquanto eleito desse órgão, aquele recebeu uma vantagem patrimonial, equivalente ao preço do contrato de prestação de serviço, e, sem o qual não receberia tal prestação pecuniária, ou tal rendimento, ou tal vantagem patrimonial, que sabia que ia acrescer ao seu património e enriquecê-lo em €250 mensais.
25ª – Razão pela qual com tal contrato, o Réu ao receber essa quantia por essa via ilegal teve intenção de obter vantagem patrimonial para si, como se verificou.
26ª – Dito de forma diferente o rendimento mensal do Réu cresceu com o recebimento dessa quantia, obtendo, sem dúvida um incremento patrimonial de €250 mensais a que “não acederia de outro modo” se não tivesse celebrado o contrato, como bem sabia.
27ª – Para finalizar sempre diremos a propósito do exarado na sentença recorrida sobre a impossibilidade, face aos factos provados de concluir que o Réu “tenha tido intenção de obter um incremento patrimonial a que não acederia de outro modo – como que um dolo específico do tipo”, o Tribunal bem podia e devia, caso tivesse dúvidas sobre – a verificação ou existência de tal facto subjetivo, ou se o Réu tinha consciência da ilegalidade do contrato e da decisão de contratar, – encetar diligências no sentido de apurar prova para que tal ficasse esclarecido, designadamente, ouvindo as testemunhas indicadas nos autos, e, assim alcançar-se toda a verdade material da causa, o que não fez, decidindo sem ter todos os elementos necessários para chegar ao veredicto.
28ª – Para tal efeito bastaria ao Mmº Juiz lançar mão do disposto no art. 411º do CPC que dita: “Incumbe ao Juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”
29ª – Tal omissão configura uma nulidade por força do art. 195º, nº1 do CPC que prescreve: “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
30ª – Ora, no caso em análise, lida a sentença e os seus argumentos, a falta das diligências mencionadas para o efeito desejado, tiveram manifesta influência na decisão da causa.
31ª – Pelo exposto, deverá ser revogada a presente sentença e substituída por outra, que julgue a ação procedente, por provada, e consequentemente ser declarada a perda de mandato do Réu AAMPL, e, sem conceder, caso se assim não entenda, seja declarada a nulidade nos termos do art. 195º, nº1 do CPC e ordenada a realização das diligências tidas como necessárias para uma boa e justa decisão da causa.
Assim, decidindo, Vossas Excelências farão a habitual JUSTIÇA”.
Não foram apresentadas contra-alegações de Recurso.
Foi proferido Despacho de subida dos autos em 13 de dezembro de 2016.

Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 22 de dezembro de 2016, nada tendo vindo dizer, requerer ou promover.
Com dispensa de vistos legais, por se tratar de Processo Urgente (Artº 36º nº 2 CPTA).

II – Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/MP, que assentam predominantemente no entendimento que o decidido violará, designadamente, o art. 4º da Lei nº29/87, de 30.06, republicada pela Lei nº 52-A/05, de 10.10, sendo que o Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada e não provada:
“Factos Provados
1° O Réu foi eleito membro da Assembleia de Freguesia na sequência de eleições autárquicas realizadas em 29.09.2013. Doc. 1 da PI
2º Escolhido e nomeado como Tesoureiro da Junta para o quadriénio de 2013/2017, na reunião de 23 de Outubro de 2013, com as competências da contabilidade, tesouraria, finanças, desenvolvimento económico, planeamento e gestão e substituição do presidente nos seus impedimentos e faltas, iniciou funções nesse mesmo dia. Doc. 2 da PI. 
3º Na reunião da Junta, de 19 de Dezembro de 2013 (ata nº 5) “o Sr. Presidente apresentou uma proposta para a contratação de serviços por ajuste direto, de um assessor técnico que possua conhecimentos e experiência do sistema POCAL (Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais), para a área de Contabilidade da Junta de Freguesia no sentido de criar convergência dos vários programas de apoio à gestão autárquica”. Mais disse o Senhor Presidente que “o custo desta contratação não pode ultrapassar os três mil euros (3.000€) anuais.” 
4º Mais propôs o Senhor Presidente que contratado para esse efeito fosse o aqui Réu.
5º Tal proposta teve a aprovação dos membros do Executivo, pelo que foi decidido contratar o aqui Réu naqueles termos. Doc. 3 da PI). 
6º O Réu não esteve presente na votação desta proposta. Mesmo Doc.
7º Nessa sequência, em 1 de Janeiro de 2014 foi celebrado um contrato de Prestação de Serviços em que surgia como 1° Outorgante a União de Freguesias de SC e Castelo de Viegas, representada pelo seu Presidente JAGSS, e 2° Outorgante o demandado, AAMPL, acima identificado, a exercer funções de Tesoureiro naquela Junta de Freguesia. (doc. 4) 
7º (Duplo Artº 7º no original) Segundo dele consta, tal contrato foi celebrado ao abrigo do art. 1154° do Código Civil; o 2° Outorgante prestará ao 1º Outorgante serviços técnicos especializados de forma autónoma e independente e o resultado dessa atividade será compensado mediante o pagamento anual de 3.000 € – 250 € mensais – conforme estipulado na ata 5 de 19 de Dezembro de 2013. Doc. nº 3 da P.I.
8º Em data ignota não posterior a 13 de Abril de 2016 o Presidente da junta comunicou ao Réu a denúncia do contrato com efeitos a 1 de Junho de 2016. Doc. junto com a contestação.
9º Na reunião do executivo de 13 de Abril de 2016 o presidente propôs e foi aprovado por maioria com quatro votos a favor e a abstenção do Réu, que fosse atribuído a este o “regime de meio tempo” (sic) a partir de 1 de Junho seguinte.
10º Presentemente e desde 1/6 p.p., em execução dessa deliberação o Réu exerce o seu cargo de tesoureiro em regime de permanência sem exclusividade, no que aufere a remuneração de 839,34 €. 
Factos não provados
A – Não se prova que bem sabia o demandado que não podia ser contratado pela junta de freguesia e receber contrapartida patrimonial por isso, na medida em que estava impedido de o fazer por força do disposto no artigo 4º da Lei nº 29/87 de 30/6 na redação da lei nº 52-A/2005 de 10/10.”

IV – Do Direito
É objeto de recurso a sentença proferida pelo TAF de Coimbra, em 12 de outubro de 2016, que julgou improcedente a ação administrativa de declaração de perda de mandato de AAMPL, na qualidade de Tesoureiro da Junta da União de Freguesias de SC e CV, no Município de Coimbra.

No que ao “direito”, concerne, expendeu-se em 1ª instância:
“Nos termos do artigo 4º da lei nº 29/87 de 30/6, republicado pela Lei nº 52-A/05 de 10/10, estatuto dos eleitos locais, estes estão obrigados a “não intervir em processo administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado nem participar na apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção”, e a “não celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão”.
Por sua vez, o artigo 44º nº 1 do CPA aplicável proscreve em geral a intervenção de qualquer titular de órgão da Administração pública em ato ou contrato de direito público da Administração quando nele tenha interesse.
Face aos factos dados como provados nos autos, é inquestionável que o Réu estava legalmente impedido de outorgar no sobredito contrato de prestação de serviços.
Nos termos do disposto no nº 2 art.º 8.º da Lei n.º 27/96 de 1 de Agosto, que estabelece o regime jurídico da tutela administrativa, “incorrem, (…) em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem”.
Confrontada aquela conclusão com este autêntico “tabstand”, verifica-se que uma sua parte objetiva é preenchida: o Réu, por causa de ser vogal da Junta, outorgou, como parte prestadora, um contrato de prestação de serviços oneroso, para o qual estava impedido por força dos citados artigos 4º e 44º. Com efeito, não outorgaria tal contrato se não fosse já o tesoureiro da Junta.
Há, porém, um outro elemento objetivo, ou objetivamente aferível, que importa sindicar. Trata-se da “vantagem patrimonial”. É necessário que a contrapartida do Réu no contrato se possa considerar uma vantagem patrimonial.
O Autor entende que essa vantagem consiste no pagamento do preço contratado.
O Réu sustenta que não é qualquer vantagem porque a contraprestação fica muito abaixo do valor de mercado, mas não demonstra isso com quaisquer factos concretos.
A vantagem patrimonial, para efeitos do “tabstand” em análise é, forçosamente, uma vantagem ilícita, enquanto incremento patrimonial que não seria possível obter sem a proscrita intervenção no contrato.
Dir-se-ia assim que a vantagem patrimonial obtida mediante o contrato é efetivamente o preço da prestação de serviços, pois sem o contrato ele não seria pago.
Porém, face ao que está provado, designadamente as funções atribuídas ao Réu (nas quais se incluem aquelas para que de facto ele foi ilegalmente contratado) e a sua colocação em regime de permanência para o exercício das mesmas), conclui-se, afinal, que a Autarquia precisava da “permanência” do Réu mas enveredou por uma via ilegal de a remunerar (quiçá por ser mais económica). Mas se é assim, quer dizer, se o trabalho do Réu sempre seria pago – se não como prestador pseudo-externo de serviços, como vogal em regime de permanência sem exclusividade – aliás, mais bem pago, então o contrato de prestação de serviços não foi um modo de o Réu obter uma vantagem patrimonial, pelo que não vemos que ocorra o corresponde elemento objetivo do tipo delineado no artigo 8º nº 2 da lei nº 27/96. 
Tanto basta para ação improceder.
Sempre diremos, contudo, o seguinte:
Caso se entenda que o elemento objetivo do tipo da vantagem patrimonial se basta com o preço estipulado no contrato, independentemente das sobreditas circunstâncias, há ainda que ter em conta os pressupostos subjetivos da perda de mandato cominada no artigo 8º nº 2 vindo a citar. 
Assim, exige-se, no segmento final da norma, que o autarca em causa, com a conduta e os factos ali descritos, vise “a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem”.
É, portanto, necessário que o Réu tenha visado, isto é, tenha tido intenção de obter um incremento patrimonial a que não acederia de outro modo – como que um dolo específico do tipo.
Ora, na discussão da matéria de facto concluiu-se ser impossível, face aos factos provados, concluir pela prova de tal facto subjetivo.
Como assim, também por aqui se imporia a improcedência da ação.
Por fim, sempre se haverá de entender que há uma cláusula tácita de necessidade de culpa ao menos negligente, na norma em análise. Tal é uma decorrência direta da Constituição, designadamente do princípio da dignidade da pessoa humana recebido no artigo 1º.
Já vimos por que se não pode provar que o Réu tivesse consciência da ilegalidade do contrato e da decisão de contratar.
Aliás, em face dos motivos por que assim se concluiu, é impossível formular o juízo de censura da ignorância da proibição.
Como assim, sempre teria o tribunal de concluir pela inexistência de culpa, o que sempre implicaria a improcedência da ação.

Enquadremos a questão normativamente:
Nos termos da Lei 27/96, de 1 de Agosto, que “estabelece o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas, bem como respetivo regime sancionatório”, estabelece-se o nº 1 do seu artº 1º, que “a prática, por ação ou omissão, de ilegalidades no âmbito da gestão das autarquias locais pode determinar, nos termos previstos na presente lei, a perda do respetivo mandato, se tiverem sido praticadas individualmente por membros de órgãos, ou a dissolução do órgão, se forem o resultado da ação ou omissão deste.” 

Tal permite concluir que a perda de mandato só pode ter lugar quando a ilegalidade que a determina esteja relacionada com a gestão daquelas autarquias, sendo que se a ilegalidade tiver tido origem noutra sede que não a gestão da autarquia a consequência da mesma terá de ser outra que não a perda de mandato.

A indicação dessas ilegalidades encontra-se nos artºs 8º e 9º da citada Lei onde se lê que, entre outras, a referida sanção incide sobre os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, “intervenham em procedimento administrativo relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem” (nº 2 do artº 8º), que “sem causa legítima de inexecução, não dê cumprimento às decisões transitadas em julgado dos tribunais” ou que incorram, por ação ou omissão dolosas, ”em ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público.” (alíneas a) e i) do artº 9º, aplicável por força do disposto na al. d) do artº 8º).

O referido, significa que a perda de mandato só pode ser decretada nas situações taxativamente indicadas nas citadas normas, e que fora desses casos inexiste fundamento para decretar tão drástica consequência.

Consequente com o referido, tem o STA afirmado que, excetuados os casos em que o dolo é legalmente exigível na configuração da infração, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal. 

E isto porque a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção- acs. do STA de 20/12/2007, rec. 908/07 e de 07/12/2011 rec. 0859/11.

Refere-se no último dos citados Acórdãos do STA que “Deste modo, e muito embora seja certo que a perda de mandato pode ser decretada sem que haja dolo na conduta do agente também é que a aplicação dessa sanção só encontra justificação quando “a atuação mereça um forte juízo de censura (culpa grave ou negligência grosseira). Na verdade, atendendo: 
(i) à natureza sancionatória da medida da perda de mandato, 
(ii) à intrínseca gravidade desta medida, equivalente às penas disciplinares expulsivas, com potencialidade destrutiva de uma carreira politica, 
iii) a que a conduta dos titulares de cargos políticos eletivos é periodicamente apreciada pelo universo dos respetivos eleitores, há que concluir que a aplicação de tal medida só se justifica a quem tendo sido eleito membro de um órgão de uma autarquia local, no exercício das respetivas funções «violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso» – cfr. ac. do STA de 21/03/96.

“Violaria o princípio da proporcionalidade das medidas sancionatórias que restrinjam direitos políticos aplicar uma tal sanção a incumprimentos veniais” – ac. do STA de 11/03/99, rec. 44.576.

E, porque assim é, a jurisprudência do STA tem entendido que, nos casos de violação da norma que proíbe ao autarca de intervir em procedimento onde possa obter vantagem patrimonial, essa violação só é determinante da perda do mandato quando se mostre que ele tinha interesse direto, pessoal e relevante nessa intervenção e que esse interesse o impedia de atuar de forma rigorosa, isenta e imparcial na defesa do interesse público posto a seu cargo.

Posto isso, vejamos se a conduta do Recorrido é subsumível à previsão dos mencionados artºs 8º e 9º da Lei 27/96.

Salta à vista que o entendimento adotado pelo tribunal a quo assenta num conjunto de meras conjeturas desculpabilizantes do comportamento do aqui Recorrido, não demonstradas.

É surpreendente que o tribunal a quo afirme textualmente que “Face aos factos dados como provados nos autos, é inquestionável que o Réu estava legalmente impedido de outorgar no sobredito contrato de prestação de serviços”, para depois, a final, concluir pela insusceptibilidade de censura do seu comportamento.
É ainda questionável que o tribunal a quo venha afirmar que o Recorrido e a Junta estarão de boa-fé, tanto assim que não recorreram a um qualquer testa de ferro para a formalização do contrato ilegal, ao que acresce a afirmação segundo a qual as Juntas de Freguesia terão poucos meios de funcionamento.

Mal seria se os tribunais, enquanto garantes da legalidade, a pretexto de uma qualquer insuficiência de meios, pudessem escancarar as portas de ilegalidade, como forma de viabilizar procedimentos ilícitos.

Aliás, se assim fosse, estes procedimentos manifestamente ilícitos tenderiam ao “contágio” descontrolado, com a conivência dos tribunais.

Independentemente da questão manifesta da ilegalidade do procedimento, e do facto do tribunal a quo admitir que o aqui Recorrido desconheceria que a referida contratação constituiria um ilícito, sempre o mero bom senso tenderia a afastar tal conduta contratual.

Do mesmo modo, o tribunal a quo afirma que o Recorrido não obteve vantagem patrimonial para si com o referido contrato, quando confessadamente e nos termos do contrato outorgado, o mesmo auferia por ano 3.000€.

Se a União de Juntas não quis ou não pôde recorrer originariamente à nomeação do aqui Recorrido como tesoureiro “a meio tempo” ou a “tempo inteiro”, é algo que aqui não releva, sendo que, mais uma vez, só no campo das conjeturas tal poderia aqui ser abordado, via pela qual se não enveredará.

Como se reiterou já, a perda de mandato de um membro de um órgão autárquico, enquanto medida excecional, só pode ser decretada quando o eleito tiver estado envolvido numa das seguintes situações: 
a. ter, dolosamente, incorrido em ilegalidade grave traduzida no aproveitamento do seu cargo para a consecução de fins alheios ao interesse público; 
b. ter intervindo em procedimento administrativo, estando legalmente impedido de o fazer, obtendo por essa via vantagem patrimonial para si ou para outrem e 
c. sem causa legítima, não ter dado cumprimento a decisões judiciais já transitadas.

Perante toda a factualidade assente, e tal como suscitado pelo MP, entendemos que estão reunidos todos os pressupostos justificativos do afastamento do eleito local, aqui Recorrido, em resultado do facto de ter outorgado com a União das Freguesias, para a qual fora eleito no mandato de 2013/2017, um contrato de prestações de serviço, remunerado em 3.000€/ano.

É patente que o legislador quis proteger a defesa do interesse público e penalizar o aproveitamento do poder e influência inerentes à titularidade de um cargo público para se obter ilegalmente vantagem patrimonial.

Efetivamente e em função de tudo quanto supra ficou expendido, é manifesto, que o Recorrido AAMPL, ao ter celebrado um contrato de serviços com a Autarquia, obrigando-se a prestar-lhe serviços técnicos especializados mediante o pagamento mensal de três mil euros anuais, violou o art. 4º da Lei nº29/87, de 30.06, republicada pela Lei nº 52-A/05, de 10.10, já que não podia ser contratado pela Freguesia e receber contrapartida patrimonial, por estar impedido de o fazer por força dos normativos enunciados.

* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, mais se julgando a ação procedente, declarando-se a perda do mandato para o qual o Recorrido foi eleito na União de Freguesias de SC e CV,

Sem custas, nesta instância, atento ao facto do Recorrido não ter apresentado contra-alegações de Recurso.

Porto, 13 de janeiro de 2017
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.:Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia

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