Opinião

Uma cidade que não gosta dos cidadãos

OPINIÃO | PEDRO SANTOS | 4 meses atrás em 31-12-2023

Vamos encarar desde logo o elefante na crónica: quem escreve não é especialista em urbanismo, transportes ou ordenamento do território. Iria mesmo mais longe e diria que nada percebe desses temas. Não que isso seja um problema em si, afinal, esse tipo de competências deve estar onde importa de facto, como no poder político ou na academia.

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Aquilo em que sou especialista – em que me tornei especialista nos últimos meses – é em controlar o desespero de não saber nunca se chegarei a tempo de um compromisso (seja uma reunião de trabalho, a hora de saída da minha filha mais nova da escola ou o início de um filme no cinema) ou nessa espécie muito particular de lotaria de tentar adivinhar a que horas conseguirei voltar para casa no final de um dia de trabalho.

Numa cidade que abdicou de receber o Rali de Portugal, não deixa de ser irónico que, de há largo tempo a esta parte, pareça ser mais útil ter um navegador ao lado para ir do Vale das Flores à Avenida Fernão de Magalhães do que para completar um troço na Serra da Lousã.

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O volume de obras simultâneas que tomou conta de Coimbra tornou até inevitável que todos sejam afetados por elas, funcionando efetivamente como uma espécie de grande equalizador, sejam habituais utilizadores de transportes públicos ou de viatura própria.

Por esta altura, já ouvimos as explicações – que vão da acumulação de obras que não foram feitas ao longo de décadas, à oportunidade que o MetroBus representou para fazer outras intervenções, aos benefícios enormes que surgirão no futuro ou à já mítica e sempre útil falta de planeamento da Cidade – e todas apontam para a inevitabilidade dos transtornos. Há sempre uma inevitabilidade na boca dos especialistas, não é?

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Na minha qualidade de não-especialista, atrevo-me a dizer que a inevitabilidade é a filha do desdém. Porque não é inevitável que os responsáveis políticos sugiram simplesmente como solução para as dificuldades de circulação a instalação de uma app de tráfego, como não é inevitável que incentivem os cidadãos a participar na discussão de soluções para a cidade e, poucos meses depois, mostrem enfado por ter havido sugestões, como não é ainda inevitável que nos digam, candidamente, que os cargos que ocupam os impedem de aplicar soluções que exigiam antes de neles tomarem posse.

A razão por que sucessivas vagas de especialistas e responsáveis nos vêm apresentando sucessivas vagas de inevitabilidades é porque, na verdade, Coimbra é uma cidade que não gosta dos seus cidadãos. Que não gosta, sequer, dos cidadãos que a visitam, que dela usufruem de alguma forma. Que não gosta de quem a faz viver. Existisse essa afeição, essa preocupação, não teríamos explicações, mas antes soluções. Porque é para encontrá-las que existem especialistas.

Opinião: Pedro Santos – Especialista em comunicação

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