O que é a tipografia? A escritora norte-americana Ellen Lupton resume bem: “A tipografia é a cara da linguagem”. Trata-se de uma arte que, desde o século XV — quando Johannes Gutenberg a inventou —, revolucionou a produção de livros. E, para compreender o que faz uma tipografia, o endereço certo em Coimbra é a Rua de Montarroio, número 45.
O artista e tipógrafo Rui Damasceno recebe Notícias de Coimbra na casa onde constrói sonhos em forma tipográfica. O proprietário da última tipografia tradicional da cidade fala sobre a resistência do ofício, os desafios financeiros e a paixão que o mantém, há cinco décadas e meia, de pé — e com os olhos emocionados, a fazer o mundo girar, agora sem grandes expetativas.
Entre o cheiro da tinta e o som das máquinas antigas, o tipógrafo fala com orgulho e alguma melancolia sobre o ofício que herdou e preserva. Manter a tipografia é, para Rui, uma grande responsabilidade. “Não me cansa de receber amigos e de responder às perguntas sobre a história da tipografia. Isso não me cansa. Agora, o resto começa a cansar um bocado”, confessa entre risos e desabafos.
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A ligação de Rui à tipografia começou cedo, sob a influência do pai. “Foi ele que me pôs a trabalhar na Imprensa de Coimbra, em São Salvador. Era uma grande tipografia, mas acabou. Desde então, fui ficando por aqui. Enquanto puder, mantenho isto aberto. Tenho muita pena de deixar isto morrer.”
O tipógrafo não esconde as dificuldades financeiras que enfrenta: “O que me custa é ter de colocar aqui dinheiro meu. Para mim, isso é inconcebível. A tipografia tem de ter meios de subsistência próprios, tem de se manter por si mesma.” Apesar dos desafios, o espaço continua ativo, com vários projetos em andamento. “Tenho dois projetos ligados ao teatro, um com o Teatrão e outro com Joana Monteiro (Clube dos Tipos), “Uma Ode à Tipografia”, distinguida com o apoio da Direção Geral das Artes. Estamos a ver se têm cabimento aqui na tipografia”, explica.
Nos últimos tempos, Rui tem recebido jovens designers interessados em conhecer o espaço e aprender o ofício. “Aparecem raparigas e rapazes a pedir trabalho, a querer fazer design gráfico. É um serviço que posso oferecer, mas já não há quem ensine como antigamente”, lamenta. “Antes havia tipografias por toda a cidade. Mas hoje já não há quem o faça. Os tipógrafos formaram-se, foram-se reformando e as casas fecharam.”
A herança familiar e afetiva traça o retrato de um artista guiado pelas mãos e pela memória. “O meu pai e a minha mãe eram tipógrafos. Ainda tenho amigos da profissão, mas já estão todos reformados. O que tento agora é encontrar uma forma de manter isto vivo — talvez transformando o espaço num museu vivo”, revela.
Entre letras de chumbo e memórias impressas, Rui insiste em continuar. “Enquanto puder manter isto, mantenho. Depois logo se vê. São coisas que já não verei, mas enquanto cá estiver, não deixo apagar esta história.”
A Tipografia Damasceno celebra 56 anos de existência — uma propriedade imaterial. O espaço é testemunha de muitos acontecimentos. As paredes, revestidas com quadros e cartazes, guardam o espírito de um tempo outrora feliz e desafiante.
Há também um livro que conta a trajetória do que foi e do que ainda é a Tipografia Damasceno, organizado pela escritora e revisora Carina Correia e pela designer gráfica Joana Monteiro. A obra retrata os caminhos percorridos pela família que deu nome ao espaço.
Entre os protagonistas estão Rui Damasceno, tipógrafo e ator, atual dono da oficina; João Damasceno, seu pai, também tipógrafo e ator, que chegou a ser preso pela PIDE; e Odete Paixão, sua mãe, a primeira e única mulher tipógrafa em Portugal. Esta odisseia é relatada a partir de material gráfico da tipografia, de entrevistas e de textos de quem acompanhou tudo de muito perto.
A história faz-se de personagens, máquinas e imaginação. A Damasceno passa os dias ao som de música clássica e do compasso das impressoras antigas, um museu vivo que pulsa pela paixão e teimosia. Curiosamente, nunca nenhum vizinho se queixou do barulho.
Tipografia Damasceno está localizada na Rua Montarroio n.º 45B, em Coimbra.
Horário de funcionamento: de segunda a sexta-feira das 8:30 às 12:30.
Contactos: 960 125 983 e pelo e-mail.
Instagram – @tipografiadamasceno
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