Em 1989, eu tinha apenas 13 anos. Era uma adolescente curiosa, com olhos atentos e uma televisão de tubo que ocupava quase metade da sala. Lembro-me nitidamente daquela noite em que, do outro lado do Atlântico, o Muro de Berlim caiu. Ainda não compreendia totalmente o que significava a Guerra Fria, mas vi, através das imagens, pessoas rindo e chorando enquanto martelavam concreto e se escrevia História ao mesmo tempo. Senti algo estranho no peito — como se eu estivesse a presenciar um nascimento e um funeral no mesmo instante. A partir dali, soube que o mundo não era só o meu bairro, a minha escola, os meus problemas.
Em 1992, com 16 anos e um coração de urgência e indignação, pintei o rosto de verde e amarelo. Fui às ruas com os outros “Caras-Pintadas”.
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Marchávamos com cartazes, cantávamos palavras de ordem e acreditávamos que podíamos mudar tudo, e mudámos. O impeachment de Fernando Collor foi uma lição precoce de democracia e, quiçá, a primeira vez que percebi o peso da cidadania. Depois vieram outros dias, outras batalhas, outras perdas.
Mas 2001, ficou marcado a fogo. Já adulta, com 25 anos, assisti ao 11 de Setembro pela televisão, novamente. Mas, desta vez, não era esperança ou mudança que passava no ecrã — era o horror, a vulnerabilidade. Os prédios a desabarem em Nova Iorque pareciam desabar dentro de nós também. Foi o fim de uma certa inocência coletiva. A partir dali, o mundo tornou-se mais desconfiado, mais vigiado, mais cínico.
Hoje, carrego essas memórias como quem carrega cicatrizes e medalhas. Vivi num tempo em que o mundo se transformava diante dos nossos olhos – não através de hologramas ou inteligência artificial -, pela lente crua de uma câmara de televisão. Vi paredes ruírem, presidentes caírem e torres desmoronarem. Era a História a ser escrita ao vivo.
E, mesmo que os anos tenham endurecido algumas certezas e apagado algumas ilusões, continuo a crer: quem testemunha o mundo com olhos atentos e coração aberto nunca envelhece porque esse passado é intemporal. Dentro de mim ainda vive a adolescente de 13 anos, de olhos vidrados no noticiário, tentando entender o que se passa para além da janela.
A paz definitiva continua a escapar-nos, como o tempo. O século XXI demanda coragem e desafia a inteligência humana a pensar com a lucidez de uma criança.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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