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Coimbra

States era uma “discoteca diferente”. Ajudou a criar a cena musical de Coimbra

Notícias de Coimbra | 5 anos atrás em 20-01-2019

O States afirmou-se em Coimbra como alternativa aos “espaços comerciais”. Ao som de Devo ou The Cramps, a discoteca ajudou a formar uma cena musical ligada ao rock que começava a fervilhar na cidade nos anos 80.

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À boleia de matinés à quarta-feira que levavam os alunos a faltar às aulas do liceu, a discoteca ajudou a educar musicalmente uma geração de músicos da cidade, ao som de rock, punk e pós-punk. Na passagem de ano de 2016 para 2017, fez a sua despedida definitiva, já depois de um interregno como clube de striptease.

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O States foi criado em 1984 e começou por ser uma discoteca parecida com as outras da cidade, sendo que só dois anos mais tarde Jorge Peixoto, antigo proprietário do espaço, conhecido por “Jó”, decidiu mudar e criar um espaço diferente em Coimbra.

“Tínhamos que mudar para não fazer o mesmo que os outros”, conta.

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Seguindo as “ideias engraçadas” de António Cunha, DJ que estava a dar os primeiros passos no States, Jó decidiu apostar todas as fichas na formação do público para o futuro.

No jornal Blitz, começaram a anunciar matinés à quarta-feira à tarde, para os miúdos do liceu, com rock, pós-punk e punk, e projeção de videoclips, gravados a partir da parabólica que tinham – “na altura, a terceira em Coimbra”.

Victor Torpedo (Tédio Boys, The Parkinsons) recorda-se de que às quartas-feiras começou “a ser um clássico para o pessoal da [Escola Secundária] José Falcão faltar às aulas à tarde para ir às matinés” no States.

“Muitas vezes, as matinés até eram melhores do que as noites. Musicalmente, era a loucura total e, por lá, não eram só os miúdos, mas também os matulões, como o Paulo Eno [77, Objectos Perdidos] ou o Nito, dos É M’as Foice”, conta à Lusa o guitarrista.

Ao mesmo tempo, Jó abria à sociedade a loja de música ‘Fuga’, com António Cunha, e as novidades da música alternativa iam todas parar à pista do States.

No início dos anos 90, António Cunha passa a interessar-se pela música de dança, funda a Kaos Records e acaba por sair do States.

“Ele tentava passar um pouco de música de dança no States. Na sua última noite lá, começou tudo a assobiar e a fazer ‘piretes’. Ele decidiu ir à sua vida”, relata Jó.

Entretanto, o público que tinha crescido no liceu com as matinés do States passava a ser cliente regular ao fim de semana na discoteca, que tentava “andar na crista da onda” da música alternativa que ia saindo, seja seguindo a onda de Madchester (cena rock de Manchester) ou o ‘grunge’ que aparecia nos Estados Unidos.

Por lá, encontrava-se uma mistura entre ‘os coimbrinhas’ de Celas e da Solum, e ‘os bairristas’, afirma Jó, que se recorda da filha de um reitor da Universidade de Coimbra levar num saco a sua roupa preta para vestir ao lado do States, antes de entrar.

No final dos anos 1990, a discoteca começou a ficar sem clientes e, em 1999, despediu-se e transformou-se em clube de striptease Passerelle, tendo reaberto novamente como States em 2009.

Mas não vingou. “Perdeu-se a rotina de ir até ao States e começaram a aparecer outras coisas junto à Praça da República”, conta Jó.

A perder dinheiro e com novos senhorios a não aceitar baixar custos, decidiu entregar a chave.

Olhando para trás, acredita que “há uma geração de pessoas em Coimbra com uma educação musical diferente, em parte, por causa do States”.

O States, salienta Victor Torpedo, “ajudou a formar o gosto musical do pessoal do liceu”.

“Acho que não haveria a cena musical que depois a gente criou, se não tivessem existido locais como o States ou o Moçambique [café na Praça da República]. Foram sítios embrionários da cena de Coimbra e da vaga de músicos e artistas daquela fase e que continuam até agora”.

Foi “extremamente importante quando apareceu, mas acho que não se conseguiu adaptar ao que estava a acontecer e, com o interregno, o pessoal passou a circular por outros sítios” e perdeu a rotina “da peregrinação” da Praça da República até Celas, afirma à Lusa Carlos Dias, membro dos Wipeout Beat e Subway Riders.

Na primeira despedida do States, Maria de Sousa lembra-se até de levar para casa um postal do filme do Trainspotting que estava na discoteca para ter uma recordação do espaço.

Esteve na reabertura, mas diz que foi “um choque”.

“Repetiu a fórmula dos anos 80 e 90 e isso já não fazia sentido. Via-se as pessoas dos anos 80, com balões de gin e camisas brancas, a dançar as musiquinhas daquele tempo”, conta a editora de poesia, que ainda se lembra da abertura da pista, com a projeção de um vídeo de animação erótico “muito parvo, chamado ‘Tarzoon’”, ao som de “Galicia Caníbal”, da banda de rock Os Resentidos.

“Nunca conseguiu voltar a ter o mesmo carisma”, nota o radialista da Rádio Universidade de Coimbra Nuno Ávila, que afirma que o States “virou completamente” o seu gosto musical.

“Deixa imensas saudades”, diz.

Hoje, o espaço está fechado, com a perspetiva de ser transformado num bar, e à venda, mas ainda com o letreiro a dizer “States”.

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