Opinião

Somos todos imigrantes

OPINIÃO | Angel Machado | 1 hora atrás em 05-07-2025

A liberdade de viver, por um futuro melhor, não devia ser questionada. Hannah Arendt defendia que o fundamental dos direitos é o “direito a ter direitos”, ou seja, o direito de pertencer a uma comunidade política que possa garantir proteção, dignidade e participação.

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Imigrar é, inevitavelmente, experimentar a fragilidade. Embora eu não me sinta estrangeira em Portugal, sou considerada assim pelo Estado. Como eu, milhões de pessoas, vindas de diferentes nacionalidades e por razões diversas, atravessam fronteiras todos os dias em busca de segurança, dignidade e melhores condições de vida.

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Os imigrantes partem por necessidade, movidos por um instinto humano: sobreviver. A geografia estabelece fronteiras; as estatísticas revelam números alarmantes que evidenciam a imigração que sempre atravessou a história da humanidade.

É razoável supor que quem decide imigrar seja por melhores condições, habitação digna, acesso à saúde e oportunidades de trabalho. Contudo, aqueles que sempre viveram em situação confortável dificilmente compreendem o trauma de deixar a sua pátria. Mesmo assim, muitos empenham-se em erguer barreiras burocráticas que dificultam, ou até impedem, que homens e mulheres se tornem verdadeiros cidadãos do mundo com direitos.

O imigrante é uma peça imprescindível na engrenagem económica e social dos países de acolhimento. Essas pessoas estão exaustas, todos estamos: imigrantes e nativos, cidadãos comuns, autoridades, instituições e empreendedores.

Os políticos, muitas vezes, propõem mudanças legislativas que dificultam e restringem os direitos, como o de permanência, ignorando a urgência de aliviar o sofrimento e a ansiedade de quem procura um novo chão.

Em vez de apoio, muitos imigrantes escutam, com frequência, a ordem cruel: “Voltem para a sua terra.” Mas quem diz isso ignora que eu própria, estrangeira, já acolhi estrangeiros no meu país de origem — pessoas que foram procurar ali um pouco da dignidade que lhes faltava. Infelizmente, nem todos compreendem o que significa imigrar por necessidade.

Ninguém abandona o seu país por capricho, mas por desespero ou esperança. É lamentável que essa realidade seja, ainda hoje, tratada como um problema estrutural insolúvel. Mais lamentável ainda é culpar exclusivamente o imigrante pelos desafios em setores como a educação, a saúde e a segurança, quando tais problemas decorrem, em grande parte, da má gestão interna e das desigualdades históricas.

Em nome do “progresso”, não raro, promovem-se retrocessos sociais cujas consequências negativas só serão plenamente sentidas no futuro. Há quem veja vantagens ou desvantagens na imigração, isso depende do ponto de vista e das referências políticas, do lugar de privilégio ou vulnerabilidade.

A liberdade de um imigrante, assim como a de um nativo, continua sendo limitada por estruturas que não garantem plenamente os direitos básicos e a proteção social. Ambos, em situações distintas ou semelhantes, podem ver os seus direitos negados por um Estado que deveria garanti-los.

Na evolução da espécie humana reconhecemos a mobilidade como parte do processo e, também, a necessidade ética e social de acolher aqueles que buscam um novo começo. As regras são necessárias, sim, mas jamais podem servir como instrumentos de exclusão, exploração ou repressão.

Que esta luta pelo reconhecimento e a dignidade não sejam em vão, mesmo quando parece invisível ou incompreendida. Apesar das fronteiras políticas que nos separam, ainda existe a possibilidade do diálogo pacífico. Assim como a gargalhada — que tem o mesmo som em qualquer canto do mundo. Ontem mesmo, ouvi num restaurante as risadas de jovens que, pelo sotaque, pareciam dos Países Baixos. Em nenhum momento precisámos de um tradutor para reconhecer a sua alegria.

Não se pode aceitar que os imigrantes sejam vistos apenas como mão-de-obra sem vínculos, apátridas pelos Estados e considerados como “seres humanos” inferiores, um estigma social alimentado por algumas políticas xenófobas. O mundo precisa de humanizar.

OPINIÃO | ANGEL MACHADO -JORNALISTA E ESCRITORA

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