Vivemos tempos interessantes, para usar a expressão que os ingleses ‘inventaram’ para evitar dizer problemáticos. Tempos em que cai bem insistir na ideia de que as palavras são só palavras, que não podem fazer mal, que os seus efeitos se esgotam no momento da sua enunciação.
Em Portugal, Ricardo Araújo Pereira é provavelmente o embaixador mais famoso desta ideia, o que não deixa de ser desconcertante, tendo em conta o tanto da sua vida que ele tem passado a estudar e a trabalhar com palavras. Mas é frequente vê-lo defender que estas não são mais do que simples instrumentos de comunicação descartáveis, sem peso ou consequência, repetindo que «as palavras não magoam»… ou «não machucam», quando está a promover os seus livros no Brasil.
Mas o ‘humorista-mor do reino’ está longe de ser o único a defender esta visão. Preocupa, aliás, que haja quem tenha responsabilidades para lá da mediática que também propague a mesma tese, pela razão de que se trata de uma ideia profundamente errada e perigosa.
Só a título de exemplo, se as palavras fossem inofensivas, acredito que Hitler não teria escrito o “Mein Kampf”, perdendo dessa forma precioso tempo que podia ter sido empregue a chacinar – isso sim, uma coisa que magoa – judeus, ciganos, homossexuais, pessoas com deficiência ou comunistas. Mas o líder nazi achou que era tempo bem investido e sabe-se que, sendo um psicopata fascista, ele não era propriamente parvo. E compreendia que as palavras, de facto, têm potencial para causar verdadeiras tragédias.
Araújo Pereira e os seus companheiros na marcha por uma espécie de futilidade verbal precisam rever Nanni Moretti no icónico “Palombella Rossa”, onde o realizador italiano tão bem captou a essência do que muitos outros sentem: «As palavras são importantes!» Porque são mesmo: até conseguem, vejam bem, correr democracias até à sua destruição.
Repetir que as palavras não mudam nada após serem proferidas ou escritas é muito mais do que uma simplificação, é uma falácia. É verdade que não são balas nem facas, mas subestimar o seu potencial pode causar danos reais. Deixar de as levar a sério não é uma opção realista porque, mesmo sem sangue, elas podem ferir profundamente.
OPINIÃO | PEDRO SANTOS – ESPECIALISTA EM COMUNICAÇÃO
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