Sou frequentadora da Tasca do José Ralha; quem a conhece sabe que ali mora uma alma inteira, estendida pela Rua Direita, alguém com nome e apelido que pertence ao lugar desde sempre. E é então que o meu pensamento se vira para a pergunta que teima: quem irá escrever a nova história da Baixa de Coimbra? Quem? Talvez aqueles que nela vivem — homens e mulheres de ideias forjadas no tempo, nesse vaivém de tentativas, umas certeiras, outras nem por isso, que resistem aos nãos e ao esquecimento.
Tenho caminhado quilómetros pela Baixa. Passei por ruas, becos, travessas, adros, terreiros e largos, todos eles guardiões de um passado que se esconde nas paredes gastas, nas janelas caídas nos
escombros. Imaginei o casario repleto de gente viva, a pulsar saúde e futuro. E, nesse triângulo de ruas, emociono-me, entristeço-me e revolto-me. Não sou de cá, mas vivo em Coimbra, o que, às vezes, dá ao
coração o privilégio de olhar como estrangeira. Para quem quiser, empresto a minha memória: fotografias dispersas e um diário de lamentações de comerciantes antigos, que teimam em resistir a todas as
adversidades, até às mais silenciosas, aquelas que nascem dos interesses íntimos do dinheiro e do poder.
Alguns dizem que sentem saudade da Baixa; outros confessam cansaço; alguns já partiram. Mas afinal, qual é a prioridade? Derrubar o ganha-pão de alguém? Fazer de conta que não existe quem vagueie à
deriva, à espera de uma solução que tarda? Volto à Rua Direita, à Tasca do senhor José Ralha, a dois passos da Praça 8 de Maio, onde se encontra o gabinete da senhora presidente.
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O tempo, esse, não espera por ninguém. E, em nome do Arlindo, José, Rui, Armando, Filipa, Caroline, Maria, Girlaine, Olga, Lena, Felipe, João, Fernando, Ana, Ângela, Celso, Seixas, Teresa, Rute, Jonas,
Alessandro, Manuel, Francisco, Tânia, Cristiane, Paulo, Catarino, Laíres, Afonso, Joaquim, Gonçalo, Margarida, Juan Carlos, Maria Paula, Luana e Lucas — comerciantes da Baixa que ainda seguram as portas abertas com as próprias mãos — peço: olhem para todos eles.
A cidade precisa que as ruas Abel Dias Urbano, Rua e Travessa Adelino Veiga, Adros de Baixo e de Cima, da Santa Justa, Avenida de Almedina, Rua do Almoxarife, Arco do Ivo, do Arnado, de Aveiro, das Azeiteiras, Beco do Bacalhau, Travessa da Boa União, Beco e Travessa das Canivetas, Rua e Azinhaga do Carmo, Beco do Castilho, Avenida Central, Rua Cidade Aeminium e Praça do Comércio continuem vivas. Mas, antes disso, precisa que sejam lembradas, não como peças soltas, mas como partes de um organismo maior.
Quem conhece estas ruas como a palma da mão sabe bem que a desilusão continua. Desde a Rua Corpo de Deus, Rua do Corvo, Couraça da Estrela, Rua do Doutor António Granjo, Rua Doutor Manuel Rodrigues, Rua Doutora Rosa Falcão, Rua Eduardo Coelho, Avenida Emídio Navarro, Terreiro da Erva, Rua dos Esteireiros, Beco dos Esteireiros, Beco do Fanado, Avenida Fernão de Magalhães, Rua Ferreira Borges, Rua da Figueira da Foz, Rua e Largo da Fornalhinha, Beco do Forno, Largo da Freiria, Rua da Gala, Rua e Travessa dos Gatos, Pátio da Inquisição, Rua João Cabreira, Rua João de Ruão, Rua João Machado, Rua da Louça, Largo da Maracha, Rua Mário Pais, Travessa do Marmeleiro, Rua Martins de
Carvalho, Terreiro do Mendonça.
Que significados carregam os seus nomes? Quantas histórias ainda por viver. Caminhe. Converse com as pessoas que sobem e descem as ruas de Moeda; a Rua, Travessa, Escadinhas e Beco de Montarroio; a Rua Moreno; a Rua da Nogueira; a Rua Nova; o Largo das Olarias; a Rua e Travessa dos Oleiros; a Rua, Travessa e Largo do Paço do Conde; a Rua das Padeiras; a Rua Padre Estevão Cabral; a Rua Particular à Travessa de Montarroio; a Rua Pedro Olavo; a Rua Pedro Rocha; a Rua e Largo do Poço; o Largo da Portagem; o Beco dos Prazeres; a Rua das Rãs; o Beco do Romal; o Largo do Rotal; a Travessa da Rua Velha; a Ladeira de Santa Justa; o Beco de Santa Maria; as Escadas de São Bartolomeu; o Beco de São Boaventura; as Escadas de São Tiago; a Rua Sargento-Mor; a Rua Simão de Évora; a Rua Simões de Castro; a Rua Sofia; a Rua e Largo da Sota; a Rua Velha; a Rua Visconde da Luz.
Cada uma guarda um mundo e é preciso apenas que alguém se disponha a ouvi-lo.
A senhora presidente Ana Abrunhosa pode salvar a Tasca do José Ralha.
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