A resignação feminina manifesta-se na satisfação das pessoas com uma opinião sem sentido, enquanto se observa a panela a queimar no fogão e a vida a passar em câmara lenta. A introdução remete para uma linha de raciocínio, embora a mulher tenha conseguido, a muito custo, ocupar alguns lugares na sociedade, que continua a ser desafiante para o género.
Ontem foi o meu aniversário. Um grande viva para quem tem remediado os calos nos pés. A boa notícia é que ganhei um livro de receitas de culinária portuguesa. Adoro a gastronomia desta terra fértil e generosa. Nos quintais das casas portuguesas há um pomar, um santuário de temperos e prazeres indescritíveis.
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Acreditam, ainda, que a função de uma mulher é, também, entreter o marido com a culinária, uma vez que a prenda do marido em questão, tenha sido um livro de filosofia. Eu cozinho mas, confesso que não gosto. Aprendi a cozinhar sem receita, então imagino que a minha vida, talvez, seja facilitada com um livro nas mãos.
Mas, nesse dia especial, qualquer delicadeza deixar-me-ia feliz. A história que eu sei não favorece o género feminino – uma vida apoucada, reduzida ao universo doméstico. Sim, de facto, era o tempo de exercer a função primária, confecionar tortas de maçã para a família, as visitas e os vizinhos, com cafés servidos em chávenas produzidas em grande escala.
O facto essencial desse texto é a ideia de que as prisões não são voluntárias, o pensamento é livre e a dedicação que tenho para escrever uma crónica ou confecionar um prato cozido à portuguesa é a mesma. Desdobro-me para entender o quanto basta (q.b.) num tempero, ou na interpretação de um texto.
Penso que alguns ovos são quebrados de propósito, não para omeletas, mas, para reverter a ideia absurda de que, para ser ouvida, a mulher precisa de artifícios. A liberdade que julgo ter hoje talvez não tenha sido uma realidade para a minha avó e bisavó, é o meu resgate em pleno voo. Gosto de pensar que há esperança, sem necessidade de a justificar com ambiguidades.
Cansa-me essa vida incipiente – voltar ao lume para confecionar tortas e bolos – com aquele “livro de receitas”, cujo objetivo é desmistificar o papel feminino de dona de casa que sabe cozinhar. Creio que não serei punida por desonrar os livros de culinária ou por falar a verdade.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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