Opinião

Privilégio Plus 

OPINIÃO | Bernardo Neto Parra | 2 meses atrás em 07-03-2024

Admito: sou um privilegiado. Eu, Bernardo, integro o grupo restrito de pessoas que beneficia  de um estatuto de privilégio social, financeiro e cultural. 

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Calma, não me estou a tentar gabar – a minha conta bancária, aliás, discordaria por completo  deste meu privilégio – e nem sequer estou a dizer que me reconheço como um privilegiado  premium, um daqueles com acesso a contas off shore, piscinas interiores ou closets do  tamanho de salas. Estou antes a confessar-me como um privilegiado comum, com um estatuto  medianamente sortudo, a quem, desde cedo, foi permitido experimentar férias na Disneyland,  brincar com bicicletas e PlayStations ou vestir camisolas do Benfica que não foram  adquiridas numa loja dos chineses que não passa recibos. 

Ao crescer, fui-me apercebendo que estes privilégios não eram tão transversais como  imaginava. “Espera lá, há gente sem consolas… Há crianças que nunca conheceram o  Mickey e miúdos que nunca viram um golo no Estádio da Luz. Será que os pais não gostam  deles?”, terei pensado. Mais tarde, e de forma lenta – não nos esqueçamos que os colégios  particulares atrasam algumas perceções inescapáveis – percebi que o cenário era pior ainda.  Afinal, não só havia carência de camisolas do Benfica e poucos brinquedos para entreter a  infância, como também havia miúdos com fome, doentes, e até – imagine-se – infelizes. 

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Passado o choque, já adulto, abracei com algum remorso este estatuto de privilégio,  aceitando-o como uma comodidade que não escolhi ou reclamei, mas que me permitiu estar  mais longe das verdadeiras tragédias e vítimas. Apaziguei-me nesta fortuna saborosa que me  deixou mais concentrado em brincar e menos exposto às dores que escapam aos olhares das sociedades privilegiadas. 

Mas lá estava ele, o privilégio. Invisível aos meus olhos, o maior dos sanguinários estabelecia-se, reforçava-se como o fenómeno global que provocou mais vítimas ao longo da  História, ultrapassando largamente a fome, a doença ou a guerra, no ranking dos males mais  fatais ao Homem. E hoje, procurando fazer um ato de contrição que me redima de toda uma  vida de liberdade e conforto, quero denunciar o privilégio e recordar um dos seus mártires,  uma das figuras que não viu o seu drama reconhecido. A vítima dá pelo nome de Edgar e a  sua história é fácil de contar. 

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Edgar vivia em Paris, onde trabalhava como mordomo numa extraordinária mansão que  pertencia a uma riquíssima matriarca. Homem de meia-idade, de origens humildes e talentos  finitos, o pobre Edgar trabalhava a tempo inteiro, sem fins-de-semana, incumbido da lide de  toda a mansão, responsável por alimentar os animais e cuidar das tarefas domésticas.  

OPINIÃO | BERNADO NETO PARRA

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