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Praia de Mira: da arte xávega à caldeirada de fama internacional (com vídeos)

Cátia Vicente | 2 anos atrás em 16-08-2022

Tem a Bandeira Azul mais antiga do mundo e isso só por si é símbolo de qualidade, mas a Praia de Mira tem muito mais do que isso. O Notícias de Coimbra partiu à descoberta dos encantos deste pedaço de terra, entre a Lagoa e o Mar. De homens da pesca que ainda cumprem a arte xávega ao cozinheiro de mão cheia que já andou na pesca do bacalhau, trazemos-lhe um punhado de estórias e inúmeras razões para visitar esta praia. 

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O extenso areal, fino e alvo em contraste com o azul profundo do mar é uma das imagens de marca da Praia de Mira que há 36 anos consecutivos exibe o galardão de Bandeira Azul. E é por isso, com orgulho, que na marginal encontramos várias bandeiras perfiladas, como que a anunciar que aqui a praia é boa. A praia e as gentes, garante-nos Ti Augusta, 78 anos, que vende tremoços, junto à estátua de homenagem ao povo da Praia de Mira, há meio século.

“Vi esta praia evoluir de 100 para 1000”, diz Augusta Cruz, assegurando que este ano os turistas aumentaram “para dobros”. Foi a vontade de matar a fome aos filhos que a levou a vender ali mesmo, na calçada em frente à praia. “Fui uma guerreira!”, assevera. Foi e continua a ser porque não falha um dia na sua praia. Só a pandemia a afastou, por pouco tempo, do lugar que conquistou numa hora de desespero.” Eu vendia fruta às portas e houve um dia em que não vendi e fiquei cheia de pena porque queria levar comer aos meus meninos. Fiquei triste e arreei aqui mesmo. Fui pedir um banco, vendi tudo e fui para casa toda contente”, recorda. 

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Mesmo em frente à barraquinha de madeira da Ti Augusta está um novíssimo negócio – Gândara Tours, viagens de UMM. A Praia de Mira é assim: entrelaça tradição e modernidade, como o mar enrola na areia. O projeto, que tem pouco mais de um mês, surgiu do empreendedorismo de quatro amigos que em comum têm também a paixão pelos jipes portugueses. A Adolfo e João Maçarico, juntaram-se Paulo Miraldo e António Tomásio. 

“Temos uma paixão pelos UMM e há cerca de um ano e meio começámos a estudar a hipótese de trazer para a Praia de Mira um serviço para o turismo, para levar o turista a conhecer as aldeias da Gândara, da Bairrada, fazemos percurso, levamos os turistas a conhecer a nossa gastronomia, a parte cultural, os moinhos de areia, sempre com muita segurança”, explica Adolfo Maçarico. 

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Uma aventura a bordo de um dos sete jipes da Gândara Tours pode ser vivida durante um dia inteiro, com direito a almoço, ou só numa manhã ou tarde. Um dia custa 60€, meio 30€. As crianças, até aos 12 anos, pagam meio bilhete. Os quatro amigos escolhem os lugares mais instagramáveis para fazer paragens com os seus clientes que, regra geral, adoram tirar “as fotografias da praxe”, mas também pontos para que possam dar um mergulho, como a Praia Fluvial dos Olhos da Fervença, já no vizinho concelho de Cantanhede.

No pico de agosto, e depois de dois anos a meio gás, a Praia de Mira está a fervilhar. “A hotelaria e os parques de campismo estão esgotados e os restaurantes estão com as mesas cheias”, informa Raul Almeida, presidente da Câmara Municipal de Mira.

“A Praia de Mira é um desígnio concelhio em que todas as pessoas se envolvem e que culmina neste mês de agosto”, sublinha o autarca destacando ofertas como “as pistas cicláveis, ir à floresta, passear na Lagoa e na Barrinha” ou o “cartão turístico” que é a arte xávega. “Temos trabalhado muito com o Turismo de Portugal e Turismo Centro de Portugal esta questão. A arte xávega anima muito a praia, centenas de pessoas veem a rede sair, temos muita gente que nos visita por isso”, destaca. 

Mas se para muitos a arte xávega é um bastião da tradição, para outros, como José Vieira é a razão de uma vida. É o mestre de uma das duas companhas que ainda resistem na Praia de Mira e Presidente da Associação Portuguesa da Arte Xávega. “Impõem-se para aí muitas regras mas só na Praia de Mira, no resto da costa vende-se o peixe à moda antiga”, lamenta, junto à carrinha frigorífica onde vende o seu peixe. Este, que vem do mar, vai todo e num instante. Mas há outro, o de pedir maiores apoios à arte da pesca, que tenta vender há anos, sem grande sucesso. “Há apoios literalmente para tudo, mas o que vai para as pescas é residual. Para as pescas, especialmente esta pesca, não vem nada”, critica, assegurando que este tipo de pesca é das “mais sustentáveis”. 

Os primeiros registos dão conta da arte xávega na Praia de Mira em 1750. “Chegaram a existir companhas com 100 pessoas”, frisa José Vieira. Antigamente, e ainda em alguns locais onde permitem, diz, “vendia-se na rede, fazia-se as caldeiradas, vendíamos as carradas aos compradores, as mulheres traziam o peixe à cabeça…” 

A par da companha de José Vieira, trabalha na Praia de Mira a Senhora dos Aflitos, de Nelson Ribeiro Monteiro. Com 86 anos, ainda está no barracão de madeira, onde se guardam as redes, de olhos cor de mar, ora verdes, ora azuis, fixos nas ondas. Foi isto a vida toda. Andou na pesca do bacalhau, como muitos outros filhos da terra, porque era o que dava sustento. A pesca ainda dá “para ir vivendo”. Aqui como em quase todos os negócios da praia, trabalha uma família. Hoje é o filho que gere o negócio e a terceira mulher, depois de ter enviuvado duas vezes, que dá uma ajuda. “Estou aqui, limpo a areia, mas também já pouco faço”, diz Fernanda. Ficou sempre em terra, de coração aflito, mas sabe quase tanto da arte como os homens do mar. Repete ou adianta as palavras do marido, uma a uma. Sabe bem do que fala. 

O peixe apanhado neste mar de azul profundo é o mesmo que há de ser cozinhado por “Lila”, alcunha de João Damas, de 87 anos. Ainda hoje faz a caldeirada no restaurante que agora é da neta, mas já foi seu. Foi ele também homem do mar, da arte xávega e da pesca do bacalhau, à linha. “Em 1963 deixei o bacalhau, em 1966 abri este restaurante e até hoje”, relata.

No restaurante Lila, a caldeirada tem “fama internacional”, a 13 euros a dose é o prato-estrela e vem gente de toda a parte para a saborear.  A pergunta é simples, mas  faz João Damas soltar uma gargalhada: “Como se faz esta caldeirada?” A resposta vem de um sopro: “A caldeirada não tem segredo nenhum e é feita quase como se fazem todas as caldeiradas mas há uns pequenos pormenores que eu acho que só eu é que sei, que é o que a faz boa”, sustenta. 

A receita vem de família, mas entranhou-se nas recordações de Lila quando ainda era uma catraio. “O meu pai esteve 25 anos num restaurante ali em cima e eu era muito curioso. Ele estava a tratar do tempero para a caldeirada e eu a ver, aí com 10,12 anos. Não fazia nada, estava ali a olhar para o meu pai. Mas depois quando fui para o bacalhau comecei a fazer umas caldeiradas para mim e para os meus camaradas , percebi que aquilo ficou-me cá cravado na memória e no gosto de fazer”, conta, junto ao fogão onde vai apurando uma raia de pitéu, outros dos apreciados pratos da casa. 

Com estas e outras estórias, cheia de tradição, mas adaptando-se aos tempos, a Praia de Mira está ali virada ao mar e a quem a quiser abraçar. E por esta altura do ano enche-se de gente, de idiomas diferentes que a procuram por ser única, especial, dizem. Mas porquê? “Eu sou de cá, não lhe posso dizer. Vem aqui tanto milhar de pessoas que alguma coisa de atraente lhe acham, não é?”, Lila, habituado a desemaranhar redes, emaranha-nos as palavras e responde com outra pergunta, mas a Ti Augusta, mulher despachada, tem a resposta: “Aqui não tem nada feio, nem o povo, que é todo humilde, nem quem para cá vem! E quem vem para cá, nunca mais sai”.

Veja o direto com José Vieira:

 

Veja o direto NDC com Nelson Monteiro e Fernanda:

Veja o direto NDC com “Lila” junto ao fogão:

Veja o direto NDC com Ti Augusta:

Veja o direto NDC com a família Costa, de Cantanhede que vai sempre à Praia de Mira:


Veja o direto NDC com os quatro amigos que fundaram a Gândara Tours:

Veja o direto NDC com Alfredo Borges, que veio de Trás-os-Montes até à Praia de Mira:

Veja o direto NDC com Raul Almeida, autarca de Mira: 

Veja a Barrinha da Praia de Mira: 

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