Economia

Porque não arrumamos os carrinhos do supermercado?

NOTÍCIAS DE COIMBRA | 2 horas atrás em 25-11-2025

Imagem: depositphotos.com

Numa manhã de sábado, a psicóloga e cientista comportamental Hannah B. Waldfogel chegou a um parque de estacionamento e deparou-se com aquilo que descreve como “uma espécie de cena de crime”. Havia um carrinho encalhado na berma, outro tombado numa vaga e um terceiro a vaguear ao sabor do vento, “como um arbusto de metal”.

A pergunta que a acompanhou naquele momento era simples: por que razão tantas pessoas não devolvem o carrinho de compras?

Pode parecer um detalhe trivial do dia-a-dia, mas nas mãos de Waldfogel o carrinho transforma-se num espelho — um reflexo da relação que temos com a responsabilidade, a convenção social e as regras invisíveis que mantêm a vida em sociedade a funcionar.

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Para responder à questão, a investigadora decidiu explorar uma fonte de dados improvável: o YouTube.

A sua principal referência foi o canal Cart Narcs, um grupo de autoproclamados vigilantes de estacionamento que confronta clientes que deixam os carrinhos espalhados. O canal soma mais de 90 milhões de visualizações e centenas de vídeos gravados nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. Waldfogel analisou 564 destas interações, registo a registo — cada insulto, cada hesitação, cada desculpa.

“Chamaram-lhe ‘preocupante’ e ‘perda de tempo’. Eu chamei-lhe ‘investigação’”, escreveu.

Um estudo publicado na revista Science em 2008 mostrou o quão frágeis podem ser as normas sociais: quando um beco tinha grafitis, as pessoas tinham o dobro da probabilidade de deitar lixo ao chão. O mesmo fenómeno repetiu-se nos estacionamentos. Quando os carrinhos eram deixados ao abandono, 58% das pessoas largavam panfletos no chão. Quando tudo estava organizado, esse valor baixava para 30%.

É a versão comportamental da entropia: assim que uma regra é quebrada, as restantes tornam-se mais fáceis de ignorar.

A antropóloga Kristal D’Costa, num ensaio publicado em 2019, classificou os utilizadores de carrinhos em cinco grupos: os que devolvem sempre; os que nunca devolvem; os que devolvem apenas se o ponto de recolha estiver perto; os que só se comportam bem quando observados; e as famílias que transformam a devolução em brincadeira para os filhos.

Estas diferenças explicam porque é que a mesma pessoa devolve o carrinho num dia e o abandona no outro: as normas sociais só se mantêm enquanto um número suficiente de pessoas as respeitar.

Deixar um carrinho no meio do estacionamento pode parecer irrelevante — mas contém uma mensagem. É um teste silencioso às regras que nos permitem coexistir. Quem o abandona afirma, mesmo sem palavras, que alguém há-de tratar do assunto.

Alguns supermercados apostam em incentivos, como a utilização de moedas para desbloquear carrinhos. O sistema funciona, mas não é infalível: a investigadora encontrou inúmeros tutoriais online a explicar como o contornar.

O estatuto social também pesa na decisão. “Ver uma tarefa como sendo de ‘baixo estatuto’ faz com que negligenciá-la pareça aceitável”, explica Waldfogel. Em suma, quanto mais acima da tarefa alguém se sente, menos disposto está a cumpri-la.

A ciência comportamental descreve isto como o choque entre objetivos pessoais e normas coletivas. Sabemos o que é correto, mas quando o ambiente já é caótico, a regra parece opcional.

Waldfogel resume tudo numa conclusão simples: devolver o carrinho não vai mudar o mundo — mas mostra que o mundo ainda nos importa.

“Faça a sua parte, devolva o carrinho”, escreve. “Não porque o carrinho seja importante, mas porque devolvê-lo significa que os outros também o farão.”

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