Coimbra

Polícia deixou Mário do Oásis com “sete costelas partidas” por ser solidário com estudantes

Notícias de Coimbra | 5 anos atrás em 16-04-2019

Uma fotografia no café Oásis, na Alta de Coimbra, recorda Mário numa cama do hospital, depois de ter sido espancado pela polícia, quando acompanhava os estudantes em protesto na noite de 17 abril de 1969.

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‘Mário do Oásis’ (já falecido) era, então, o proprietário do emblemático estabelecimento do Largo da Sé Velha, muito frequentado por estudantes, designadamente das repúblicas vizinhas.

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Na noite de 17 de abril de 1969, já Mário tinha fechado o café, quando um grupo de estudantes lhe bateu à porta e lhe disse que o presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC) tinha sido detido pela PIDE e ele não hesitou em os acompanhar até junto das instalações da polícia política e juntar-se aos muitos estudantes que, ali, exigiam a libertação de Alberto Martins.

Mas as forças policiais “carregaram” sobre os manifestantes e partiram “sete costelas e racharam a cabeça ao senhor Mário, que levou 17 pontos” (também foi mordido por cães da polícia), recorda à agência Lusa Arsénio Silva, então empregado no Oásis (hoje proprietário do café) e que, na ocasião, não acompanhou “os estudantes e o patrão” (foi para casa) – “só tinha 16 anos”, embora já ali trabalhasse há quase três anos.

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Hoje, numa parede do Oásis, uma fotografia de Mário, numa cama do hospital de Coimbra, com Alberto Martins e o também dirigente estudantil Celso Cruzeiro à cabeceira – durante a visita que lhe fizeram no dia seguinte – evoca a Crise Académica de 69.

Algumas semanas depois, surgiu a greve aos exames e o Largo da Sé Velha ficou cheio de polícia, que “não deixava ninguém ir para a Universidade sem se identificar”. E “a PIDE passou a ‘frequentar’ ainda mais o Oásis, recorda Arsénio Silva.

Na Baixa da cidade, a Casa Hilda, por exemplo, também passou a ser mais visitada por agentes da polícia política, atentos sobretudo às fotografias sobre a Coimbra ocupada pelas “forças da ordem” e os estudantes na rua, que o sócio-gerente da empresa e repórter fotográfico, Varela Pècurto, expunha na montra.

“O senhor diretor pede para tirar esta ou aquela fotografia da montra”, recorda Varela, hoje com 93 anos, a propósito das incursões que “os ‘pides’ faziam à [sua] loja”, exemplificando com um registo fotográfico que dava conta dos guardas a cavalo, que não conseguiam subir a calçada do Arco de Almedina porque o piso tinha ficado escorregadio com o sabão diluído na água derramada, pelos estudantes, no principal acesso pedonal da Baixa à Alta universitária.

“Eu era comerciante e não convinha ‘tomar partido’, mas mesmo assim eles viam nas fotografias coisas que não podiam ser mostradas”, explica Varela Pècurto, que também era um dos principais repórteres fotográficos da cidade e “fazia fotografias para quase todos os jornais” de âmbito nacional da época e cuja publicação obedecia a critérios igualmente “muito rigorosos”.

Arlindo Santos, que em 1969 tinha 25 anos, também se dedicava à fotografia, mas no laboratório, a revelar películas.

Numa manhã de abril daquele ano (não se recorda do dia exato), Arlindo Santos resolveu, no entanto, instalar-se numa varanda da Praça 8 de Maio para fotografar o aparato e movimentação policiais naquele largo do coração da cidade, até se aperceber que tinha sido “visto por alguém” (depois conclui ser um agende da PIDE).

Deixou de fotografar, “de imediato, claro”, mas não se livrou de ser chamado à polícia política, que, “felizmente”, acabou por “engolir” a garantia de que ele “estava só a experimentar uma máquina” (e não a fotografar).

O susto foi tão grande que Arlindo escondeu “tão bem os negativos dessas fotografias” que só as recuperou há pouco tempo. Revelou-as e agora, 50 anos depois, no dia 17 de abril, vai expor, na sua loja – Diorama, laboratório e equipamentos fotográficos, – na Baixa da cidade (Rua dos Esteireiros), 22 desses registos inéditos, idênticos entre si e que funcionam como uma espécie de filme sobre aquela manhã de abril de 1969, no largo que evoca a entrada das tropas liberais na cidade em 1834.

“Os estudantes era muito importantes para a cidade”, nos planos económico, social e político, e, também por isso, Coimbra aderiu, quase espontaneamente, a manifestações estudantis como a ‘Festa [ou operação] da flor’ (e frequentemente à margem de opções políticas), recorda José Barroso, que então “trabalhava num armazém de malhas e estudava, à noite, na Escola [Comercial e Industrial] Avelar Brotero”.

“Também havia muito medo” entre os futricas – expressão da gíria académica, de algum modo depreciativa, com que os estudantes universitários de Coimbra designavam aqueles que não o eram –, alguns dos quais “tomaram consciência da situação” do país e da luta dos universitários nas “tertúlias dos cafés da Praça [da República] ou da Baixa, como A Brasileira ou Sirius” (este o café/pastelaria do “batismo ‘político’” de José Barroso), em regra dominadas por professores e estudantes.

Mas sobretudo era evidente que “a cidade estava muito dividida”

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