O filme “Playback” recupera a música e a personalidade de Carlos Paião, “um fenómeno” cuja criatividade e dimensão artística continuam pouco conhecidas do grande público, destacaram hoje o realizador Sérgio Graciano e o ator Rafael Ferreira, durante as filmagens.
“É importante recordar todas as figuras que têm marcado de alguma maneira o nosso país e as pessoas, e o Carlos é uma dessas figuras”, afirmou Sérgio Graciano, numa visita ao ‘set’ de filmagens, sublinhando que o artista foi “um músico excecional” e “um compositor incrível”.
Para o realizador, o filme “Playback”, que incluirá momentos-chave do percurso do cantor e compositor, como a passagem pelo Festival da Canção, é uma oportunidade para revisitar uma figura que considera ter marcado profundamente a cultura nacional.
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Trata-se de uma “biografia musical”, que recorre à música como elemento narrativo, embora os atores não falem a cantar, explicou, durante um intervalo dos ensaios da cena do casamento de Carlos Paião com Zaida Cardoso, a decorrer no Jardim Municipal de Oeiras.
O filme utiliza “momentos musicais, meio oníricos, é muito sobre a cabeça de Carlos Paião, que pouca gente conhece, aliás isso é o interessante do filme, é saber como é que funciona aquela cabeça, quais eram as motivações, quais eram as ideias, como é que ele via o mundo”.
Ao fundo, atores vestidos e maquilhados como ditava a moda dos anos 1980 ensaiavam passos e trocavam impressões, ao som da música “Pó de arroz”.
Não se trata, porém, de um documentário, existindo espaço para interpretação artística, destacou o realizador, considerando que “há que tirar sempre uma licença poética para fazer uma biografia”, porque “é uma leitura de um argumentista e de um realizador, e, por isso, há de haver pessoas que se vão identificar e outras que não tanto.”
Para Sérgio Graciano, embora o público reconheça Carlos Paião como “um cantor de música popular”, a sua verdadeira dimensão artística permanece pouco explorada.
“Ele era mais do que isso. Era mesmo um músico incrível”, afirmou, acrescentando que ele e a equipa descobriram, durante o processo, “um compositor muito fora da caixa”.
O filme incluirá uma música inédita, recuperada a partir de maquetes caseiras deixadas pelo músico, que morreu em 1988, aos 30 anos, num acidente de automóvel.
“A Zaida, que é a viúva de Carlos Paião, tem gravadas músicas com gravador longe dos instrumentos, ou seja completamente amadoras, em maquetes, e nós aproveitámos uma dessas musicas e vamos pô-la no filme, remisturada”.
Os arranjos musicais foram entregues a “um músico que está a fazer os arranjos todos das músicas de Carlos Paião”, procurando imaginar “como é que o Carlos Paião soaria em 2025, não perdendo naturalmente a melodia dele”, acrescentou Sérgio Graciano.
O realizador destacou ainda o processo de ‘casting, que procurou dar espaço a novos talentos.
“Essencialmente tinham que saber cantar, porque a voz é mesmo do ator, e depois de saber cantar passámos a ver quem sabia representar”.
O papel principal acabou atribuído a Rafael Ferreira, ator que Graciano elogia, por ser “um ator incrível” que “está a fazer o Carlos Paião como ninguém”.
Sobre este processo, o jovem ator conta que foi escolhido através de um ‘casting’ público, após ter respondido a um anúncio que viu no Instagram do realizador Sérgio Graciano.
O processo incluiu a entrega de uma ‘self-tape’, na qual cantou “Cinderela”, e uma fase posterior de audições presenciais.
Com carreira iniciada em 2017, o intérprete acumula algumas experiências em teatro, cinema e televisão, mas considera que este é o seu “primeiro trabalho de maior destaque e também uma grande responsabilidade”.
“Estou a fazer de um cantor que acho que ultrapassa gerações, porque eu nasci 10 anos depois, e mesmo assim ouvia as músicas dele”, recordou.
O ator não pretende reproduzir Carlos Paião, mas antes prestar-lhe homenagem, como explicou: “Eu nunca vou ser ele, não é? A ideia é homenagear esta pessoa que ele foi, este artista que ele foi”.
Com gosto pela música desde a infância, Rafael Ferreira teve formação vocal durante os estudos de teatro e participou recentemente no espetáculo “Quis Saber Quem Sou”, de Pedro Penim, uma experiência que considera determinante para este novo desafio, porque foi onde “aprimorou os dotes”.
A construção da personagem implicou um mês de preparação, com ensaios regulares, pesquisa de arquivos disponíveis, “ouvir as músicas, aprender as coreografias”, decorar as letras, “que são complicadas porque ele tem uma escrita difícil”.
Este foi sem dúvida um desafio, mas que o jovem ator minimiza graças ao ambiente de trabalho, que descreve como “muito bom”, e ao tempo que teve disponível para trabalhar.
“Eu acho que os desafios deixam de ser desafios a partir do momento em que fazemos aquilo de que gostamos, em que nos preparamos como deve ser e quando nos divertimos”.
Rafael Ferreira apontou ainda as características de Carlos Paião que lhe foram dadas a conhecer durante a investigação que fez sobre o artista.
O que mais o surpreendeu “foi o sentido do humor, a inteligência”, disse, descrevendo o artista como “uma pessoa espontânea, muito inteligente” – o que se reflete nas letras das canções – e “era bastante cómico”, como se percebe, por exemplo, pela música “O Gago”, “que ele canta a gaguejar, na música inteira”, fazendo “aquilo parecer tão fácil”.
O ator acredita que o filme poderá contribuir para dar a conhecer às novas gerações a verdadeira dimensão do compositor, que, apesar de ser lembrado “sobretudo por três ou quatro músicas”, deixou um legado de centenas músicas, muitas delas compostas para outros intérpretes.
“Mais do que a música, eu acho que o que este filme procura é mostrar quem é esta pessoa, esta personalidade”, que “não se conhece, (…) é dar a conhecer este fenómeno que ele foi, muito à frente do seu tempo”.
No que respeita aos desafios logísticos e financeiros inerentes à produção do filme, o realizador reconhece que Portugal é “um país que nunca tem muito dinheiro para fazer este tipo de produções”, pelo que é determinante, no caso de um filme musical como este, gastar o dinheiro que há disponível, “tentar pô-lo no sitio certo”.
“Nós nunca fizemos na verdade, se calhar, um filme musical assim (…), por isso é um desafio muito grande e esperemos acertar no sítio certo”, sublinhou.
Apesar das limitações, assegura que a equipa está a fazer “um filme muito grande” e espera que “tudo corra certo”.
Além de Rafael Ferreira, o elenco integra Laura Dutra, Rita Durão, António Mortágua, Anabela Moreira e Albano Jerónimo, entre outros.
O filme é uma produção da Caos Calmo, tem argumento de Mário Cenicante e contou com a colaboração de Zaida Cardoso.
Nascido em 1967, Carlos Paião estudou Medicina, mas acabou por se dedicar à música, tendo composto mais de duas centenas de canções, entre as quais “Cinderela”, “Pó de arroz”, “Vinho do Porto”, “Souvenir de Portugal” e “Playback”.
Ao longo da carreira, colaborou com o humorista Herman José – escreveu para ele as letras da personagem Serafim Saudade – e compôs para Amália Rodrigues, Lenita Gentil, Mísia.
“Playback” começou a ser rodado no dia 03 de novembro, e as filmagens prolongar-se-ão até dezembro, em Lisboa, Cascais e Ílhavo, de onde era natural a família e onde estão os restos mortais do cantor.
O filme tem estreia prevista para o verão de 2026, pela distribuidora NOS Audiovisuais.
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