A presidente da Fundação José Saramago, Pilar del Río, defendeu hoje, em Coimbra, um foco no humanismo diante da “invasão da inteligência artificial”, que nem tudo é feito para uma pergunta com resposta.
“O humanismo que nos trouxe até aqui, o aprofundar do estudo da filosofia e da literatura para saber quem somos são fórmulas de empoderamento diante da emergência e da invasão da inteligência artificial”, afirmou Pilar del Río, que falava na Conversa inaugural da Feira do Livro de Coimbra, onde faz parte da equipa curatorial.
A presidente da Fundação José Saramago respondia a uma pergunta do vice-reitor da Universidade de Coimbra Delfim Leão, que abordava o avanço da inteligência artificial e perguntava sobre se, perante esses novos modelos, a literatura ajuda a dar respostas ou a formular as perguntas certas.
PUBLICIDADE
Para Pilar del Río, a literatura ajuda a pensar e a fazer perguntas, mas não sabe se serão “as perguntas certas”.
Recordando a confusão em que entrou a civilização após a invenção da imprensa, a antiga jornalista sublinhou que essa mesma confusão é hoje “anedótica” diante da perplexidade que se vive perante a inteligência artificial.
“Estamos um pouco assustados”, notou, considerando que o recurso ao humanismo, à literatura e à filosofia poderá ajudar a viver diante desse novo mundo, até porque “nem tudo está feito para se fazer uma pergunta e receber uma resposta”.
“Temos de ser seres humanos. Temos de saber fazer perguntas, sejam ou não certas”, afirmou.
Também a professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), Ana Paula Arnaut, outra das curadoras, vincou que a literatura poderá dar respostas, mas a boa literatura “deixa muito mais interrogações”.
Para a docente, o tempo que se vive é marcado “pela hipervelocidade” e pela obsessão pelas redes sociais, que acredita não ser um espaço de convívio e que leva as pessoas ao isolamento.
“Ao contrário, a literatura, tal como a vejo, é um convívio múltiplo, com o autor e com as personagens”, disse.
Num mundo “com tanta guerra, com presidentes a desvairarem”, Ana Paula Arnaut entende que a literatura tem um papel, mesmo que não se encontra à vista desarmada, mas que entra “nos poros” dos leitores.
Na ótica da docente, um bom romance também pode ser um aviso à navegação, apontando para o “Ensaio sobre a Cegueira” que alerta para o que pode acontecer se, como dizia José Saramago, “o homem continuar a ser o lobo do homem”.
“Nós temos de ler, imaginar o que pode vir a acontecer, ler bem os avisos à navegação, se não um dia destes não há humanidade”, vincou.
Numa conversa em que também se falou de Coimbra e do seu papel na literatura, a professora da FLUC considerou que esta sempre “foi uma cidade central à cultura e sempre foi uma cidade subversiva, inovadora”.
Lembrando a chamada “Questão Coimbrã”, uma “guerra literária” entre António Feliciano de Castilho e Antero de Quental, a docente considerou que esse conflito contribuiu para “uma literatura que já não era decorativa, mas empenhada, que continua com o neorrealismo e que está muito presente na literatura que se faz hoje em dia, com um vinco ideológico diferente do neorrealismo”.
Já o presidente da Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA), José Manuel Diogo, que também faz parte da equipa curatorial, Coimbra tem “um prestígio e uma reverência”, maior até do que aquilo que a cidade merece.
“Temos muito que fazer”, sustentou.
A Feira do Livro de Coimbra começou hoje e estende-se até 29 de junho.
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE