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Pastor cabo-verdiano troca ovelhas por funaná

Notícias de Coimbra | 1 hora atrás em 13-09-2025

Imagem: Facebook

 Memé Landim trocou o cajado de pastor na ilha de Santiago pela harmónica com que tem corrido mundo a difundir o funaná e a história de Cabo Verde, estando agora em Portugal, onde vai participar num festival.

Vestido a rigor, como sempre gosta de se apresentar, em tons dourado e preto e alfinete florido na lapela, Landim soma cumprimentos enquanto passa por um jardim na Amadora, concelho onde viveu quando, aos 20 anos, deixou Cabo Verde.

Pastor exímio, deixou os prados para grande desgosto do pai, que não o conseguiu demover da vontade de tocar gaita, como é conhecida em Cabo Verde a harmónica.

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“Nunca desisti. Eu queria tocar em pequeno, mas ele não estava de acordo. Não queria, porque quando se toca gaita é bandidagem; íamos para um casamento e era dois ou três dias. E ele precisava de mim para tratar dos animais”, contou em entrevista à agência Lusa.

Só que o seu amor era a gaita e rumou a Portugal, ainda antes do 25 de Abril, onde foi trabalhar na construção civil, mas sempre a tocar, conseguindo conciliar as duas atividades e até a conseguir mais dinheiro com a música.

Desses tempos “difíceis” lembra-se da “barraca bem feitinha” onde viveu no Bairro Santa Filomena, na Amadora, concelho onde domingo participa no festival “É um encontro”.

“Nós endereçávamos as cartas para a Avenida Lourenço Marques, 11 B, que era uma padaria, que usávamos como morada da casa”, contou, lembrando que em 1975 casou na Igreja da Amadora e, no ano seguinte, foi viver para Queijas.

As dificuldades por que passou, das quais não se queixa, levam-no a ser solidário com todos os que estão a passar pelo mesmo.

“Não devia acontecer. Estão a acontecer coisas como quando nós entrámos” em Portugal.

Difícil de esquecer foi a forma como os portugueses que viviam em África e tiveram de regressar a Portugal após o 25 de Abril trataram na altura os africanos.

“Eles vieram com raiva dos pretos. Nós saímos, duas ou três pessoas, e eles [“retornados”] juntavam um grupo e davam porrada. Depois, os cabo-verdianos revoltaram-se de tal maneira que nenhum branco lhes podia mexer”, observou.

Memé, como é carinhosamente tratado, foi para Espanha e mais tarde para França, onde ficou 45 anos. Era chamado “para todo o lado” para tocar a sua gaita, nomeadamente em festas, casamentos e batizados.

Assistiu à quase morte do funaná e ao seu renascimento no final dos anos 90 do século XX. Em 1999 lançou o disco “Canga Boi”, que foi “uma explosão” em Cabo Verde e um pouco por todo o mundo onde a diáspora se encontra.

No passado mês de março gravou em Cabo Verde um vídeo do tema “La Txada Lora” e prepara-se para voltar à sua ilha, Santiago, para novas filmagens, desta vez do novo tema “Coração de Santo”.

O músico identifica grandes desenvolvimentos no seu país, em relação à altura em que saiu.

“Na altura em que embarquei, a estrada ainda não chegava a casa. Uns anos depois, já chegava a casa e agora a minha vila está muito bonita”, disse.

Sobre o funaná, acredita que nunca vai morrer e congratula-se por o seu país não esquecer este estilo musical que nasceu no tempo da escravatura e que é todo ele um lamento pelas dificuldades da vida, embora também possa ser muito animado.

“Quem fala mal de funaná não sabe nada, não conhece nada. Funaná e batuque é nosso. É nossa alma, nossa tradição, tradição de Txada Lora”, referiu.

Aos 74 anos tem duas certezas: Vai tocar e cantar até poder e manter uma indumentária irrepreensível, pois essa é a sua “imagem de marca”.

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