Coimbra

Opinião de Nuno Freitas: E agora, Coimbra?

Notícias de Coimbra | 4 anos atrás em 17-07-2020

E agora, Coimbra?

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Coimbra sofre hoje de uma aguda síndrome de periferia. Acumulou erros nacionais e locais emparedada entre o crescimento exponencial da grande Lisboa e a resposta dinâmica do grande Porto. Parece perder oportunidades todos os dias agravando o fosso de pobreza, desânimo e desigualdade sentido por todos – hoje é uma cidade média genericamente descurada e esquecida no debate nacional.

O diagnóstico lúcido e frontal não pode significar desistência. Coimbra deve unir-se numa nova agenda urbana, ambiental e económica que recrie a ideia de um Portugal multipolar, mais coeso e equilibrado. Rever as oportunidades perdidas tem, assim, um efeito terapêutico – Coimbra deve enfrentar os seus problemas conjugando o melhor da sua capacidade crítica e dos seus recursos cívicos. É o que propomos.

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A crise de talento

Durante séculos, a Universidade de Coimbra deteve um papel fulcral como sede nacional de conhecimento, imprimindo uma marca epigenética na percepção colectiva dessa centralidade. A explosão de instituições de ensino superior nos anos 90 e seguintes acrescida de uma aludida crise da qualidade universitária de Coimbra são invocações clássicas de um certo declínio por todos pressentido, talvez sem inteira justiça. Coimbra manteve, e até ampliou, um registo educacional de elevada qualidade, bem patente nos rankings nacionais do ensino básico e secundário e no comparativo internacional em vários domínios do ensino superior universitário e politécnico.

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Como explicar, então, a manifesta secundarização de Coimbra na era que elegeu o conhecimento como factor crítico de superação civilizacional? Arriscamos uma explicação consequencial: Coimbra não fixa o talento que produz e aí reside boa parte da oportunidade perdida. Um modelo fixista, estatizante e ultrapassado não anteviu a relação com o mercado de trabalho e com a criação de emprego, afastando gerações sucessivas e bem preparadas de uma cidade que então definhou em criatividade, dinamismo e iniciativa livre.

A descurada Capital da Saúde

A Saúde poderá ser o caso de estudo mais relevante da menorização crescente de Coimbra. A inauguração em 1987 dos novos Hospitais da Universidade de Coimbra culminaram décadas de ouro assentes numa notável cultura de excelência científica e clínica. A inovação de relevo internacional na transplantação renal e hepática ou na cirurgia cardíaca eram pontas visíveis do iceberg comum de exigência científica, qualidade assistencial e dedicação aos doentes.

Coimbra manteve-se pioneira nos cuidados de saúde nacionais até ao início do século XXI mas degradando fortemente a sua posição desde aí. E porquê este declínio? Não há uma explicação unívoca mas é evidente o desinvestimento marcante no SNS. A fusão dos 2 Hospitais Centrais (HUC e Covões) e das estruturas diferenciadas de Saúde Mental e Pediátrica em 2010 pelo governo Sócrates criaram um gigante administrativo pouco flexível, sem autonomia programática, alvo fácil da racionalização economicista. O caso emblemático da “nova” Maternidade prometida mil vezes por todos os Ministros da Saúde e sem construção à vista encerra uma chave do problema – Coimbra não consegue competir hoje com o que de melhor se faz em termos internacionais em Saúde.

Com decrescente inovação funcional e tecnológica, sem co-gestão da escola médica de referência e com ilhas pouco apoiadas de investigação biomédica, Coimbra perde, dia após dia, a capitalidade de saúde aos olhos dos pares e também dos doentes portugueses.

O comboio perdido da revolução digital

A afirmação é de Gonçalo Quadros, CEO da Critical Software, numa sessão pública recente. A explosão tecnológica e digital mundial desde 2000 foi vertiginosa. As cidades que perceberam essa transformação radical da sociedade lideram hoje não só economicamente como em qualidade de vida global.

O apeadeiro ferroviário de Coimbra-B, que será pintado de fresco no próximo ano eleitoral, constitui a metáfora viva mais significativa do comboio perdido de Coimbra. A revolução digital beneficiou early-adopters que detinham o conhecimento crítico e anteciparam as necessidades de mercado nacional e internacional. A universidade percebeu e criou o único – repito, único – centro de incubação empresarial e laboratorial no Instituto Pedro Nunes (IPN). Mas Coimbra não soube ser motriz ou alavanca da revolução digital e do investimento sofisticado da indústria de nova geração preferindo o consumo fácil das grandes superfícies e um urbanismo de aldeia que mortifica em burocracia a iniciativa empresarial e o desenvolvimento económico. Em muitas áreas tecnológicas, Coimbra é hoje um apeadeiro periférico sem alta-velocidade nem interconectividade com o primeiro mundo digital.

E agora, Coimbra?

Coimbra pode ficar na história deste século como a cidade das oportunidades perdidas. O lastro estrutural de perda e falta de posicionamento estratégico na contemporaneidade exige um programa compreensivo de transformação radical de Coimbra e da comunidade regional que deveria congregar e liderar. No horizonte 2030, há uma década de trabalho intensivo e multidisciplinar que nos convoca numa reversão estrutural e construtiva de Coimbra. Propõe-se 3 eixos principais de uma proposta de mudança cultural efectiva:

 

  • Choque industrial e económico

 

Fundar uma política pública de reindustrialização em concertação estratégica plurianual com os sectores privado e social, não só amiga do investimento nacional e estrangeiro como pró-activa na fixação de empresas de valor acrescentado, com objectivos e indicadores aferíveis na criação de emprego, localização de novas empresas e indústrias, co-investimento público e privado e sustentabilidade social e ambiental;

 

  • Ecossistema avançado de inovação ambiental e tecnológica

 

Adoptar uma cultura transversal de inovação e sustentabilidade ambiental tornando o Município um elemento activo, desburocratizado e integrador de novas políticas económicas, sociais e ambientais dirigidas às pessoas, suas famílias e comunidades. A implementação de soluções tecnologicamente avançadas numa transição assumida para uma economia verde – designadamente na área energética – deve liderar um esforço conjunto de descarbonização e desenvolvimento tecnológico acelerado numa ecologia urbana contemporânea e sustentável;

 

  • Cidade de escala humana 

 

Recriar um urbanismo qualificado de nova geração que recentre o espaço público na vida comunitária e nas pessoas – revitalizando o Mondego como elemento central de fruição dos cidadãos, cuidando do pulmão verde do Choupal e instituindo um plano disseminado de jardins e corredores verdes urbanos. Coimbra experimentalista de bairros eléctricos, margens de rio pedonais e cicláveis, condicionamento automóvel franco com alternativas regulares de transporte colectivo – centrado numa nova estação intermodal de Coimbra –  e um intenso programa de reabilitação urbana que permita a “cidade 5-minutos” com produtos e serviços locais nas comunidades vivas de bairro e freguesia. Assumir a Capital Europeia da Cultura em 2027 tem que ser o epicentro de uma estratégia de mudança educacional e cultural com forte participação cívica e que projecte Coimbra e a região num novo patamar de coesão económica e social em termos europeus.

Coimbra corre o sério risco de tornar crónica a sua síndrome de periferia. Para a debelar deve ter a humildade de aprender com cidades mais avançadas como as que se reuniram em 2013 na rede internacional das 100 Cidades Resilientes ou na recente rede de Cidades C40 e hoje demonstram os seus resultados, tendo abraçado convictamente os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. E precisa de reunir as suas forças essenciais – na cultura, na educação, na acção social, no desporto, na economia e na saúde – num sobressalto conjunto, cívico e democrático, que envolva directamente cada pessoa que ama e vive Coimbra. É esse o desafio comum que partilhamos. Por uma Coimbra que Portugal respeite e distinga como património da Humanidade ontem, hoje e amanhã.

Opinião de Nuno Freitas
Médico e candidato à presidência da Câmara Municipal de Coimbra

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