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Obra censurada por Misericórdia do Porto integrada na nova exposição sobre conde Ferreira

Notícias de Coimbra com Lusa | 4 meses atrás em 14-12-2023

Uma exposição sobre legado esclavagista do conde Ferreira é inaugurada na sexta-feira, no Porto, e inclui a instalação dos artistas brasileiros Dori Nigro & Paulo Pinto, que foi censurada pela Misericórdia e que não constava do catálogo inicial.

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Em maio, a obra alusiva ao legado esclavagista do patrono do Hospital Conde de Ferreira “Adoçar a alma para o inferno lll” levou a Santa Casa da Misericórdia do Porto a mandar encerrar um dos espaços da mostra “Vento (A)mar”, integrada na Bienal de Fotografia do Porto, que tinha sido inaugurada momentos antes naquela unidade de saúde.

À data, a instituição justificou a decisão com o “potencial desconforto” que aquela obra poderia gerar.

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Inicialmente, aquela criação de Dori Nigro e Paulo Pinto não estava integrada nesta nova exposição, “Joaquim – O Conde de Ferreira e seu legado”, que abre ao público na sexta-feira. Contudo, após a discussão suscitada pelo que foi considerado um ato de censura, Nuno Coelho, investigador da Universidade de Coimbra e curador da exposição, refez a seleção de obras escolhidas para a incluir, tendo exatamente em conta esse ato.

Em conversa com a Lusa, o docente explicou que, no âmbito do seu projeto de investigação científica e artística sobre o conde Ferreira e o seu papel na escravatura em Portugal, convidou os dois artistas brasileiros a desenvolver outras obras, que não o trabalho censurado pela Misericórdia, que foi criado especificamente para a Bienal de Fotografia do Porto.

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Para Nuno Coelho, a polémica suscitada adicionou uma “nova camada” à obra dos dois artistas brasileiros, potenciando uma reflexão sobre o papel da arte na discussão de questões sociais complexas.

Intitulada “Adoçar a alma para o inferno III”, a instalação fechada na anterior mostra apresenta três espelhos com inscrições alusivas ao passado esclavagista de Joaquim Ferreira (1782-1866), primeiro conde de Ferreira, que deixou um legado para a edificação do Hospital Conde de Ferreira e para mais de uma centena de escolas primárias, questionando “Quantas pessoas escravizadas valem um hospital psiquiátrico? Quantas pessoas escravizadas valem 120 escolas? Quantas pessoas escravizadas valem títulos de nobre e benfeitor?”.

Para esta exposição, foi acrescentado o registo do “momento de censura”, como um marco da necessidade de “blindar” a discussão sobre o legado desta figura histórica.

Para lá das obras dos dois artistas brasileiros radicados no Porto, a exposição comissariada por Nuno Coelho conta com trabalhos de Barbara Neves Alves & António Ramalho, Francisca Calisto, João Ana, Ivo Tavares e Paulo Moreira & Thaís Freire de Andrade. 

Com inauguração marcada para sexta-feira às 18:00, no espaço da Associação Rampa, localizado na zona do Bolhão, a mostra centra-se no legado de Joaquim Ferreira dos Santos que à sua morte, em 1866, destinou fundos para projetos sociais, incluindo a construção do primeiro hospital para saúde mental em Portugal (Hospital Conde de Ferreira) e da primeira rede escolar primária no país (120 Escolas Conde de Ferreira).

No entanto, assinala a nota descritiva da exposição, a origem da sua fortuna é do desconhecimento geral da sociedade beneficiária.

“Ao referir-se a esta figura histórica pelo seu nome próprio, simbolicamente destronando-o do pedestal e destituindo-o do título, esta exposição pretende indagar e problematizar este homem, o seu legado e o que representa hoje, convocando profissionais das artes visuais e performativas, arquitetura e design”, lê-se na mesma nota.

De acordo com a mesma missiva, Joaquim Ferreira dos Santos (Porto, 1782) saiu de uma situação humilde para enriquecer com o tráfico transatlântico de pessoas escravizadas no Brasil.

Regressado a Portugal, em 1832, investiu em negócios e apoiou o liberalismo, ganhando o título de Conde de Ferreira.

Complementada por um programa paralelo, a exposição pretende criar abertura para “uma urgente e necessária reflexão coletiva sobre o passado e presente da sociedade portuguesa”, propondo a debate temas relacionados com a escravatura e a censura.

Entre outras iniciativas, o programa propõe duas conversas-debate.

A primeira – “Ecos silenciados: entre a memória e a censura” – acontece a 27 de janeiro, sob moderação de Alexandra Balona, e conta com a participação de Dori Nigro, Paulo Pinto, Georgia Quintas, Virgílio Ferreira e Jayne Dyer e moderação de Alexandra Balona.

A 03 de feveireiro, Nuno Coelho modera a conversa-debate “Memorializar a escravatura no espaço público português”, com Evalina Gomes Dias, Marta Lança e Paulo Moreira.

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