Atendi o telefone sem pensar. Não sabia que era telemarketing. Do outro lado, uma voz segura perguntou se falava com a senhora Tal — eu, portanto. Confirmei, e ele, com toda a naturalidade, quis vender-me eletricidade. Agradeci, mas recusei. Ele sorriu na voz: — Tem razão, é uma chatice, mas é o meu trabalho.
Quem me conhece sabe: gosto de ouvir histórias, não as de manuais ou de televisão. Oiço histórias de pessoas. E, normalmente, não me detenho com funcionários de telemarketing. Mas o Aldo — nome inventado, mas que lhe assentava — fez-me querer ouvi-lo.
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Olho-me tantas vezes ao espelho. Quero perceber se a imagem que vejo bate certo com a que os outros têm de mim. Às vezes, percebo, outras, não. O momento ajudou. Minutos antes, pensava no peso da minha “pressa”, na raiz da minha “ansiedade”. Perguntava-me: para quê viver assim? Senti que precisava resgatar-me antes que o universo me engolisse.
E, por isso, talvez tenha atendido aquele número desconhecido.
Não é preciso ser santo para ouvir alguém tentar vender-nos algo. Basta um mínimo de educação. Esquecer, por instantes, que “não temos tempo”. Tempo não é dinheiro. Tempo é serviço. E nós, ao fim e ao cabo, estamos ao serviço dele. Só os insatisfeitos dizem que lhes falta tempo para fazer tudo. Tudo? Existe alguma lei que nos obrigue a “ter tempo”?
Talvez fosse mais simples aceitar que as 24 horas que recebemos são um presente — e que reclamá-las não as torna maiores.
Foram dois minutos e meio de conversa. O Aldo não me convenceu a comprar eletricidade, mas convenceu-me a parar. Percebi que a urgência não era vender — era falar, ser ouvido. Era trocar tolerância, mansidão. Pensei em pão e nos ingredientes simples que utilizamos para fazê-lo. E percebi: é isso que o tempo nos dá. E é isso que, tantas vezes, deixamos estragar.
Ele despediu-se: — Para o ano volto a ligar.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO -JORNALISTA
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