Opinião

O prisioneiro 46664

MANUEL MILAGRE | 11 anos atrás em 27-06-2013

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MANUEL MILAGRE

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Foi este o número atribuído ao recluso Nelson Mandela na prisão da Ilha Robben, onde permaneceu numa cela com 2,5 por 2,1 metros e uma janela de 30 cm. Condenado a uma pena de prisão perpétua por se bater contra a segregação racial imposta pelo regime de Apartheid, Madiba, advogado de profissão, proferiu, em sua defesa, no Julgamento de Rivonia um discurso de 4 horas onde, além de desafiar o governo a enforca-lo, concluiu afirmando:

“Durante a minha vida, dediquei-me a essa luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, lutei contra a dominação negra. Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e realizar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer.”

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A 11 de fevereiro de 1990, Mandela é solto após um longo e penoso período de 27 anos de cárcere. À saída, depara-se com uma multidão que o aclama, procurando nele o líder e pai de uma nova nação, livre de preconceitos raciais, justa, democrática e alicerçada no princípio da igualdade. Madiba responde erguendo o punho direito gritando “Amandla!” (Poder), ao que a multidão respondia “Awethu!” (Para o Povo).

Em 1993, Mandela é galardoado, em conjunto com o presidente Frederik de Klerk, com o Prémio Nobel da Paz, pelos esforços mútuos na luta contra a política do Apartheid. O Nobel, usando da palavra nesta cerimónia, afirma:

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“O valor deste prémio que dividimos será e deve ser medido pela alegre paz que triunfamos, porque a humanidade comum que une negros e brancos em uma só raça humana teria dito a cada um de nós que devemos viver como as crianças do paraíso”

Membro e líder do Congresso Nacional Africano (CNA), Madiba nasceu no seio de uma família de nobreza tribal numa aldeia onde estaria destinado a vir a ocupar o cargo de chefia, casando com uma noiva de conveniência, numa união de matrimónio “arranjado”, sem que sequer tivesse oportunidade de a conhecer previamente.

No entanto, “Rolihlahla” – em Zulu, “aquele que ergue o galho de uma árvore”, renunciou esse futuro, optando por uma vida que começou pela clandestinidade, rebeldia, passando por condenado e recluso, tendo culminado como o Pai da Pátria da nação sul-africana moderna e Nobel da Paz. De facto, Madiba estava destinado a feitos e conquistas maiores – o de refundar uma nação, impor um regime verdadeiramente democrático, livre de preconceitos raciais, inspirando líderes mundiais com o seu percurso de vida, aquele que foi considerado como “um dos maiores líderes morais do nosso tempo” (Ali Abdessalam Treki).

De facto, tem-se observado um pouco por todo o mundo, nos tempos que correm, um défice de líderes carismáticos como Mandela, JFK, Che Guevara, Martin Luther King, Malcom X, Churchill ou Mahatma Gandhi. Esta tem sido, infelizmente, uma característica indissociável do séc. XXI. Independentemente do justo julgamento que a história fará, um dia, aos líderes de hoje, creio que nenhuma personalidade de referência da primeira ou início da segunda década, deste século, poderá sequer de forma marginal competir com a irreverência e carisma das figuras que marcaram a história do séc. XX.

Sendo certo que no século passado sabia-se, ao certo, contra quem e contra o que lutar – fossem direitos de primeira geração, igualdade, democracia, liberdade – hoje as iniquidades que nos assombram não têm rosto, cingindo-se, na sua sombra, somente a substantivos mais ou menos inócuos – crise, juros, sistema financeiro, austeridade… E não é de estranhar! É uma verdade muito conveniente para quem verdadeiramente tem interesse em perpetuar estes tempos. De facto, como é que podemos lutar contra algo se não existe verdadeiramente um inimigo, um rosto, alguém que possamos olhar e dizer: É este o culpado!

Os tempos conturbados que hoje vivemos, assombrados pelos mercados financeiros, crises sistemáticas, miséria, desemprego, falta de soberania dos povos, à luz desta ditadura económica global, exigiriam e exigem mais da humanidade e dos seus verdadeiros líderes. Não sei por quanto tempo continuaremos presos neste dogma capitalista, nesta nova forma de escravatura moderna, sem a inspiração de um líder, sem uma ideologia que vá além das cada vez menos diferenças entre esquerda e direita ou, se preferirem, da terceira via, sem conhecer os nossos verdadeiros inimigos. Para já, ainda só conhecemos a causa e auguramos pelo seu efeito.

São em tempos de opressão como os que vivemos hoje que historicamente se destacam personalidades que rompem com tudo o que conhecemos, que fazem desabar regimes, tremer o mundo, que desafiam e vencem aquilo que se pensava ser impossível, em nome da justiça, da liberdade, da igualdade e, por fim, restabelecem o equilíbrio da sociedade, devolvendo a paz e prosperidade ao povo. Estou certo que o mundo, num qualquer dos seus confins, está a parir um líder para nos guiar nesta revolução de valores que se aguarda com impaciência; porque quando alguém morre, há sempre, sempre alguém que nasce.

Até lá, continuaremos seguramente a lutar nos sítios errados contra as pessoas erradas, num ensurdecedor corrupio de gritos de socorro, culpando sucessivos governos, em sucessivas greves gerais ou eleições, arranjando protagonistas como Angela Merkel, Sócrates, Seguro ou Passos Coelho para nos encher o olho, a barriga e nos desviar daquilo que é essencial e se encontra profundamente enraizado nos alicerces da nossa sociedade – o facto de que, bem lá no fundo, na generalidade da nossa natureza humana, não nos importamos de ser dominados por uma elite, mesmo que seja invisível, sem rosto, sem pátria, sem voz.

Obrigado Madiba! O mundo inteiro jamais esquecerá o teu legado, a tua revolução. Que a liberdade que encontraste na cela nº 46664 seja uma inspiração para o, como o teu, tão pesado fardo que os líderes de amanhã terão que carregar, sucumbir e perecer!

MANUEL MILAGRE

Engenheiro Civil

Presidente da CPC da Juventude Socialista de Coimbra

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