Assinaturas NDC

Apoie a nossa missão. Assine o Notícias de Coimbra

Mais tarde

Coimbra

O “peço a palavra” foi “no momento rigorosamente certo”

Notícias de Coimbra | 5 anos atrás em 16-04-2019

 

PUBLICIDADE

 A decisão estava tomada, “a tensão” subia, a “alma cresceu” perante o ruído de colegas a entrar numa sala com “todas as autoridades” do país em ditadura, mas Alberto Martins pediu a palavra no “momento rigorosamente certo”.

PUBLICIDADE

publicidade

A avaliação é feita pelo próprio numa entrevista dada à Lusa no Porto, 50 anos depois de aquele “peço a palavra” em Coimbra iniciar uma crise académica de meses, com greve às aulas e exames, encerramento da Universidade e cerco policial às faculdades da alta da cidade, transformando os estudantes em “grandes protagonistas da História” e a data de 17 de abril de 1969, que se assinala na quarta-feira, “num afluente da queda da ditadura em Portugal”.

“A esta distância, acho que pedi a palavra no momento rigorosamente certo. Falou o reitor, o decano da Faculdade de Ciências, vai a soerguer-se o ministro das Obras Públicas e levanto-me. Era aquele o momento: ‘Em nome dos estudantes da universidade de Coimbra, peço a vossa excelência para usar da palavra’. Só então a tensão se alivia. Nessa altura voei. A honra da Academia estava cumprida”, descreve o então presidente da Associação Académica de Coimbra, na altura com 23 anos, a frequentar o 3.º ano do curso de Direito.

PUBLICIDADE

Na cerimónia de inauguração do Edifício das Matemáticas, o Presidente da República, Américo Tomaz, respondeu ao jovem que viria a ser ministro da Justiça dizendo: “Bom, mas agora vai falar o ministro das Obras Públicas”.

Alberto Martins ainda ficou “na dúvida”, achou a resposta “ambígua”, talvez lhe dessem mais tarde a palavra, continuou “a arquitetar mentalmente o que iria dizer”, mas houve uma “explosão de aplausos dos estudantes” e os 1.000 a 1.500 que estariam dentro e fora da sala gritavam incessantemente “Queremos falar!”.

“Aquele apupar contínuo gerou um barulho impressionante. A comitiva quase foge, em debandada. Abruptamente, Américo Tomaz dá por terminada a sessão e sai depois de falar o ministro da Educação”, recorda.

Passadas umas horas, seria preso, interrogado toda a noite, não fora a amnistia concedida aos estudantes a pedido dos professores da academia e o “processo-crime” tinha seguido para tribunal, dando-lhe “seguramente um ano de prisão”, talvez três.

Cumprir a decisão tomada na noite anterior de “esgotar todos os meios para usar da palavra” era já “vencer todas as dificuldades, que eram muitas”, numa sala onde estavam “todas as autoridades do regime” e “a imagem e o corpo da ditadura”, incluindo “autoridades religiosas, altos hierarcas da universidade e da sociedade civil”.

A palavra, Alberto Martins tomou-a perante o “apelo dos colegas”, que encheram o novo edifício após a debandada da comitiva.

“Para nós, aquela foi a verdadeira inauguração. A comitiva certamente podia ouvir os discursos, porque os altifalantes estavam ligados para o exterior e foram potenciados por alguns dos nossos colegas”, relembra.

No discurso, o estudante alertou para os “problemas da universidade de onde tinham sido expulsos vários professores”.

A instituição, que os alunos consideravam “dominantemente retrógrada, elitista e que não respondia aos problemas da sociedade”, acolhia 25% dos estudantes de todas as universidades portuguesas, totalizando 9.052, 45% dos quais mulheres.

Alberto Martins referiu ainda as preocupações com “o país analfabeto, pobre e subdesenvolvido”, que levou “milhares” a fugir “da miséria, da guerra e de uma sociedade paralisada”.

De madrugada, Alberto Martins foi preso pela PIDE (polícia política), passou a noite a ser interrogado, libertaram-no na manhã seguinte, a tempo de participar numa assembleia magna em que os estudantes começaram a preparar o contra-ataque ao regime.

Seguiram-se meses de greve às aulas e aos exames e uma final da Taça de Portugal em futebol entre a Académica e o Benfica que levou o luto de Coimbra a todo o país.

Related Images:

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com