Estamos destinados à democracia — ou não? A própria etimologia da palavra remete para o exercício de direitos, sobretudo o direito fundamental de viver em liberdade. A democracia deveria constituir a nossa medida de referência: o critério justo para a escolha de partidos, movimentos e ideais. Mas é igualmente ela que assegura o contraditório — e é precisamente nesse paradoxo que se encontra a sua força e, ao mesmo tempo, a sua vulnerabilidade.
Há muito que se discute a existência de uma escuridão. No passado, resultava provavelmente do eco de civilizações extintas. Hoje, porém, essa sombra nasce de uma tendência alienante: a de pensar como os outros, com os outros, sem questionar as consequências que essa abdicação pode ter para a própria vida.
O que está em causa? A massificação do debate público. E o que sucede às ideias divergentes? O espírito crítico e a liberdade — outrora indeléveis — já não parecem suficientes para distinguir aqueles que procuram, a qualquer custo, o poder. Muitos são eleitos “democraticamente” por cidadãos que, paradoxalmente, desprezam o maior bem conquistado pela humanidade: a democracia.
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Os ditadores, antes relegados ao lugar de monstros da memória, regressam. Não pela sua própria força, mas pela vontade de oprimidos, desalentados e desprotegidos em diversos aspetos. A opressão cresce na miséria e, na sua marcha silenciosa, sufoca os últimos sinais de coragem coletiva.
A democracia deve ser entendida como uma pérola. Manifesta-se em gestos quotidianos, recordando-nos a importância de distinguir o essencial do acessório. Sempre que é necessário repetir o óbvio, de forma clara e inequívoca, impõe-se afirmá-lo: o poder das nossas escolhas determina o futuro. É indispensável que cada cidadão pense de forma autónoma.
Quem paga o preço da degradação do sistema? Quem suporta as falhas na saúde e a desvalorização da educação? Qual é, afinal, a nossa responsabilidade enquanto comunidade política? No mínimo, a coragem de nos indignarmos deve prevalecer.
Um dia, alguém — distante — gritou: “Injustiça!”. Ninguém ouviu. Voltou a repetir: “Injustiça!”. Mais uma vez, ninguém reagiu. E assim a injustiça consumou-se.
Essa história lembra-nos que a Justiça, em determinado momento, falhou. E alguém, mais próximo do que parecia distante, perguntou: “Para que queremos justiça, se aqueles que a deveriam garantir a ignoram?”. Então, pergunto: Qual é a justiça que procuramos? A das nossas consciências? Quiçá seja essa a Justiça que buscamos: não a dos tribunais, não a das leis frias, mas a que nos permita, simplesmente, continuar vivos e com dignidade.
OPINIÃO | ANGEL MACHADO – JORNALISTA
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