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Educação

O desafio de aprender português para quem é filho de emigrantes

Notícias de Coimbra com Lusa | 10 meses atrás em 09-06-2023

A manutenção o português como uma das línguas mais faladas do mundo exige que os filhos dos emigrantes aprendam o idioma, uma batalha nem sempre fácil para os pais, num contexto de grande pressão das línguas de acolhimento.

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Ricardo, em Macau, admite o falhanço de ensinar português ao filho mais novo. Na Escócia, Sandra gasta os sábados em viagens para tentar ensinar o idioma aos filhos. E em França, Sara teve sorte e tem aulas de português no ensino público mas, no mesmo país, Sandra tem de as pagar e ainda inscrever o marido para que os filhos possam aprender.

“Não consegui que os meus descendentes aprendessem português. Isto é como um ponto final no português na minha família”, desabafa Ricardo Xavier, 45, que nasceu em Macau e hoje usa o português apenas por obrigação no trabalho, no Instituto para os Assuntos Municipais (IAM).

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O filho mais novo nasceu em 2010, pós-transição, em que “a língua portuguesa era vista com alguma insegurança, dúvidas e interrogações para o futuro”, salienta Xavier, licenciado em Administração Pública, que lamenta hoje os erros cometidos.

E, “por isso decidimo-nos pela educação em chinês do meu filho”, que “só teve contacto com o português na escola”, mas “tinha pouco interesse na aprendizagem do português quando tentava ensinar-lhe. Até arranjei um professor para dar explicações, mas desistiu por falta de interesse”.

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Se em Macau a batalha é difícil, o mesmo se passa noutros locais, até mesmo onde há uma grande comunidade portuguesa, como é o caso da França, um país que, segundo as autoridades portuguesas, tem cerca de 14 mil alunos a aprenderem a língua ensino obrigatório e há 102 professores colocados pelas autoridades portuguesas em diferentes pontos.

“Há casos onde não há continuidade e somos contactados pelos pais e sabemos que há muitos alunos que se perdem depois da primária e podemos fazer essa correlação, porque não os temos no ensino básico. Há muitas recusas porque os diretores têm de distribuir as horas pelas línguas que têm mais inscrições e quando não há alunos, fecha-se”, explicou Annabella Simões, professora de português no liceu Montaigne, em Paris, e vice-presidente da Associação para o Desenvolvimento dos Estudos Portugueses (ADEPBA) que este ano celebra 50 anos.

Segundo a professora, há um certo desinteresse da comunidade em relação ao português, não sendo muitas vezes possível constituir turmas devido à falta de inscrições de alunos, por outro lado, a língua portuguesa desperta cada vez mais interesse: “temos cada vez mais procura de pais que nem têm origens portuguesas. Claro que no início da emigração portuguesa, havia mais alunos cujos pais eram portugueses, mas hoje há muitos mais alunos cujos pais são franceses ou têm outras origens”.

Em França, encontrar aulas depende acima de tudo do local de onde os pais moram. “O sítio onde vivemos é muito especial porque há uma grande comunidade portuguesa, portanto, aqui na rua ouve-se falar português, há bastantes cafés e restaurantes portugueses. Nunca foi uma preocupação a aprendizagem de português”, descreveu à Agência Lusa, Sara Antunes, emigrante portuguesa em Beausoleil, no sul de França, que tem uma filha de oito anos.

Menos sorte teve Sandra Canivet da Costa, lusodescendente que vive em Bourges. “Tudo que eu posso dizer é que os meus filhos, que hoje têm 14 e 16 anos, andavam na escola primária não conseguiram aceder a estas aulas. Recebi o questionário, disse que queria esta opção, mas nunca deu em nada, disseram-me que não havia professor”.

Sem outra solução, os filhos de Sandra Canivet da Costa aprendem agora português numa associação de amizade luso-francesa na cidade de Bourges, mas o marido também teve de se inscrever, já que estas são aulas para adultos e os menores só podem frequentá-las acompanhados por um adulto.

Já Sara Antunes espera regressar a Portugal nos próximos anos, mas sabe que, caso fique, as escolas públicas francesas na sua área de residência não oferecem continuidade no ensino de português.

Na Escócia, o cenário não é diferente de França e o inglês, como língua franca, constitui uma dificuldade adicional para que os mais novos gostem de português. Para Sandra Nabais, a rotina não acaba à sexta-feira porque todos os sábados faz 50 quilómetros entre Kirkaldy e Edimburgo para o filho de 11 anos poder frequentar as aulas de língua portuguesa.

“O João tinha cinco anos quando chegou à Escócia e durante os primeiros tempos chegavam as conversas que tinham em casa, mas com o início da escolaridade “começou a ser complicado”, recorda a mãe. “Em dez palavras cinco eram em português, cinco eram em inglês”.

Foi então que decidiu inscrever o filho nas aulas de português mais próximas, proporcionadas pela associação Lusofonias, o que implica uma hora de viagem para cada lado. O João protesta frequentemente e para a mãe também é um sacrifício.

“Perco o sábado todo nisto porque as aulas começam às 11:00 e acabam às 13:00, e financeiramente afeta bastante por causa dos gastos com combustível e porque tive que abdicar de trabalhar aos sábados”, explica.

Porém, Sandra Nabais acredita que o esforço está a ter frutos porque o conhecimento da língua e o contacto com outras crianças de origem portuguesa na formação da identidade do menino.

“Ele tem uma veiazinha escocesa, porque viveu a maior parte da vida aqui, mas é português de gema e coração. Às vezes sugiro fazer férias noutro país qualquer e experimentar coisas novas, mas ele prefere sempre ir a Portugal”, diz.

Esta luta também é feita pela família de Sandra Ferreira, que tem o Afonso (11) e a Matilde (15) a aprender português na associação. “O nosso fim de semana acaba por ficar limitado a um dia”, constata Sandra Ferreira, que viaja cerca de 70 quilómetros desde Bridge of Allan, perto de Stirling.

Ainda assim, garante que até o filho mais novo “começa a perceber aos poucos a perceber a vantagem de aprender português e é isso que nos tem mantido nesta nossa luta semanal”.

Uma vantagem que os pais partilham mas que, nem sempre, os filhos valorizam. Até porque o mundo bilingue pode ser vantajoso.

Susana Diniz é fundadora um centro de explicações em Macau e é mãe de Suri (8 anos), que está “mais familiarizada com o inglês e o português aparece sempre em segundo plano como forma de comunicação”.

Apesar disso, “não é de todo uma preocupação para nós esta preferência dela, visto que sabemos que está ambientada com ambas as línguas. Por outro lado, pensamos que na escola em que está, o intercâmbio cultural é maior do que se estivesse na escola portuguesa” de Macau, salienta.

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