Entre enchidos, arroz e saberes ancestrais, o Bucho Tradicional continua a ser um dos pratos mais apreciados da Serra do Açor. A iguaria, que resulta da arte de aproveitar todas as partes do porco, pode ser provada todo o ano, às quintas-feiras e sábados, no Restaurante Caravela, em Góis.
De sabor intenso, marcado pelo fumeiro e pela conjugação de carnes e enchidos, o prato é herança de uma das maiores tradições comunitárias da região: a matança do porco.
O bucho recheado, típico das Beiras, nasceu da necessidade de aproveitar integralmente o animal, transformando o estômago do porco num recipiente para carnes magras, arroz e sangue cozido. Comido em família, sempre acompanhado de batatas e hortaliça, este prato fazia parte dos rituais da matança, uma das maiores festas do calendário rural.
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A prática, documentada desde há séculos, tinha regras próprias: a matança só acontecia em dias específicos, evitando o vento suão que atraía moscas, e mobilizava toda a comunidade. Homens, mulheres e crianças participavam, entre gritos, cantigas e o inevitável eco do animal na serra. Era o sustento de um ano inteiro, e nada se desperdiçava.
Já em 1780, o cozinheiro real Lucas Rigaud dedicava um capítulo inteiro ao porco no seu Cozinheiro Moderno, onde destacava a importância do animal na alimentação da época, lembrando que “todas as partes do porco têm o seu préstimo”.
No dia seguinte à matança, começava-se a preparar os enchidos: chouriços, farinheiras, morcelas e, claro, o bucho. Na Serra do Açor, a receita manteve-se fiel ao passado: carnes cortadas miudinhas, arroz cru, ervas aromáticas, tudo envolvido no bucho, cozido em água temperada.
Servido às rodelas numa travessa de barro, o prato chega à mesa acompanhado de batata frita às rodelas, couve lombarda cozida e enchidos cortados.
Mais do que um prato, o bucho representa memória coletiva e identidade cultural. Em cada garfada, prova-se não só a riqueza do fumeiro beirão, mas também um ritual que unia famílias e vizinhos em torno da cozinha.
Em Góis, a tradição continua viva, renovada pelas mãos dos restaurantes locais, que fazem do Bucho Tradicional uma verdadeira viagem no tempo – da salgadeira à mesa.
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