Nas florestas do norte do estado de Nova Iorque, pequenos morcegos marrons penduram-se de cabeça para baixo em cavernas durante décadas — um deles foi encontrado com mais de 30 anos, o que equivale a cerca de 180 anos humanos. E, surpreendentemente, estes animais raramente desenvolvem cancro.
Agora, cientistas da Universidade de Rochester podem ter finalmente descoberto o motivo por trás desta incrível resistência. Publicado na Nature Communications, o estudo oferece uma nova perspetiva sobre a biologia dos morcegos e abre caminho para possíveis novas estratégias de prevenção e tratamento do cancro em humanos.
O cancro é, estatisticamente, uma doença associada ao envelhecimento, pois requer múltiplas mutações para surgir. Humanos precisam de entre três a oito “golpes” genéticos para desenvolver cancro, enquanto camundongos precisam apenas de dois. Os morcegos também necessitam de apenas dois “golpes” para transformar células em cancerígenas em laboratório — algo que contradiz a sua resistência natural ao cancro.
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A explicação parece estar na rapidez e eficiência com que os morcegos eliminam as células cancerígenas.
No centro desta defesa está o gene p53, conhecido como o “guardião do genoma”. Ele deteta danos no DNA e promove a morte celular programada para impedir que células danificadas se multipliquem. Em humanos, mutações no p53 estão envolvidas em cerca de metade dos cancros.
Os morcegos, especialmente o pequeno morcego marrom (Myotis lucifugus), têm duas cópias completas do gene p53 — uma duplicação rara, semelhante à encontrada em elefantes, outra espécie com baixa incidência de cancro. Além disso, as células destes morcegos equilibram perfeitamente a atividade do p53, evitando danos excessivos em células saudáveis e prevenindo o envelhecimento precoce.
Além do p53 potente, os morcegos possuem um sistema imunitário altamente eficiente, adaptado para lidar com o estresse do voo e para resistir a alguns dos vírus mais mortais do planeta, como o ebola e o SARS. Esta vigilância reforçada pode também ajudar a reconhecer e eliminar células cancerígenas, pode ler-se na ZME Science.
Estudos indicam que os morcegos mantêm populações ampliadas de células assassinas naturais e células T CD8+, essenciais para a vigilância de tumores. Ao contrário dos humanos, cujas células envelhecem e promovem inflamação, as células dos morcegos mostram menor senescência e níveis reduzidos de moléculas inflamatórias.
Outra descoberta surpreendente foi que os morcegos mantêm a enzima telomerase ativa durante toda a vida. Nos humanos, a telomerase desativa-se com a idade, levando à degradação dos telómeros (as “capas” dos cromossomas) e ao envelhecimento celular. Nos morcegos, apesar da telomerase ativa — que teoricamente aumenta o risco de cancro — o p53 atua como um vigilante que elimina células malignas antes que se tornem tumorais.
Esta complexa combinação de defesas permite que os morcegos evitem tanto infeções virais como doenças relacionadas à idade, incluindo o cancro. Os investigadores da Universidade de Rochester acreditam que estas descobertas poderão inspirar novas terapias contra o cancro em humanos, focadas na manipulação do p53 e da telomerase.
Esta investigação faz parte de um campo emergente da oncologia comparativa, que estuda espécies resistentes ao cancro, como ratos-toupeira-pelados, elefantes e baleias-da-Groenlândia, para encontrar soluções para a medicina humana.
Como os próprios autores escrevem: “Os morcegos têm uma vida muito longa para o seu tamanho, e tumores são raramente encontrados neles. Agora, começamos a perceber o porquê.”
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