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Opinião

Medirão os Rankings a qualidade das escolas?

SERAFIM DUARTE | 9 anos atrás em 05-12-2014

Nos últimos 14 anos, escolas, professores, famílias e sociedade têm vindo a ser confrontados com a publicação de rankings de escolas construídos, unicamente, com base nos resultados obtidos em provas de exames nacionais estandardizados.

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Em nome da transparência, da prestação de contas, do direito à informação e responsabilização, publicam­se dados estatísticos que fazem a seriação dos estabelecimentos de ensino, de acordo com os resultados obtidos pelos alunos em
apenas algumas das disciplinas que fazem parte do currículo. No caso do ensino básico (1.o, 2.o e 3.o ciclos), apenas Português e Matemática; no caso do ensino secundário, Português, Matemática, Biologia/Geologia e Físico­Química.

Numa sociedade moderna e democrática, é justo e correto que se peçam contas às escolas pelo investimento público feito no ensino. Admito que possa ser útil para as próprias escolas ter um retrato sobre as performances obtidas pelos seus alunos em exames nacionais, que lhes permita refletir de forma participada, crítica e autocrítica nos processos de organização, planificação, implementação e avaliação da globalidade do processo de ensino­aprendizagem.

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Porém, as escolas não se situam acima das realidades políticas, sociais, económicas e culturais, antes vivem, respiram, comunicam e refletem os contextos territoriais complexos e o meio em que se inserem. Quer isto dizer que não há duas escolas iguais, embora possam ter condições semelhantes.

Estabelecer rankings das escolas apenas com base em resultados de exames nacionais, colocando todos os alunos no mesmo ponto de partida e nas mesmas condições, comparando colégios privados com escolas públicas é o mesmo que colocar o Real Madrid a jogar uma partida de futebol com o Sporting Clube Ribeirense.

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É por demais óbvio que os colégios privados, especialmente aqueles que são frequentados pelos filhos da classe média e média alta, e que praticam uma seleção criteriosa dos seus clientes, desde logo em função do seu estatuto socioeconómico e cultural, dispõem, à partida, de condições bem diferentes para o desenvolvimento dos processos de ensino aprendizagem. As escolas públicas são por natureza e função abertas a toda a comunidade, integrando TODOS os alunos, quer tenham carências socioeconómicas, contextos familiares instáveis e de fraca cultura escolar, ou necessidades educativas especiais.

A escola pública não pode nem deve selecionar os estudantes mais convenientes ao seu projeto educativo, de modo a poder apresentar resultados acima da média. A escola pública não pode nem deve orientar o essencial da sua ação pedagógica e educativa e os seus recursos privilegiando as performances dos seus alunos nos exames nacionais acentuando uma perspetiva dita meritocrática.

A escola pública tem de ser capaz de dar respostas às necessidades de todos os seus alunos, desde os que são provenientes de contextos familiares mais favorecidos e que valorizam a escola e a formação académica, aos que, oriundos de contextos familiares mais pobres, possuem da escola uma visão menos positiva e valorizadora.

A lógica meritocrática, aplicada às escolas, regulada apenas pelos números estatísticos expressos nos exames, é extremamente redutora, não tendo minimamente em conta a educação/formação integral dos alunos. Ela fomenta o cavar do fosso da desigualdade de oportunidades. A perspetiva meritocrática fomenta a competição e a concorrência entre escolas, atribuindo­lhes um papel central na melhoria da qualidade de ensino que carece de prova. Imprime à escola e ao ensino uma lógica industrial e mercantilista que assente no conceito de eficácia e apresentação de resultados, vê na escola para todos, aberta e inclusiva, promotora de uma maior igualdade de oportunidades, um fator de entrave e de abaixamento da qualidade de ensino­aprendizagem.

Avaliar todos pelas mesmas bitolas, com os mesmos critérios, só pode gerar uma enorme mistificação e um colossal erro, de que só podem aproveitar interesses pouco claros que apostam na desqualificação da escola pública e na promoção dos interesses privados. Argumentando com o direito das famílias a escolher a escola dos seus filhos, os neoliberais procuram fazer caminho na constituição de um autêntico mercado escolar, com escolas para os filhos da classe média e alta e escolas com menos condições para os filhos das classes mais desfavorecidas e com menor poder de escolha. Para tal, constitui peça fundamental o desacreditar do sistema público de ensino.

Dispensando longas e infindáveis discussões sobre os méritos e deméritos das escolas públicas versus privadas, deixo aqui uma interrogação muito simples e objetiva: por que é que o Colégio de S. João de Brito em Lisboa e o Colégio Apostólico da Imaculada Conceição de Cernache (CAIC), pertencendo ambas aos jesuítas, com a mesma orientação, os mesmos princípios educativos, métodos pedagógicos comuns, estabilidade do corpo docente, obtêm resultados tão díspares?

O Colégio de S. João de Brito, frequentado por filhos das classes socioeconómicas mais favorecidas, ocupa o 9.o lugar do ranking no ensino básico e o 24.o no ensino secundário enquanto o CAIC de Cernache, de frequência gratuita, porque financiado pelo Estado, ocupa no mesmo ranking, respetivamente, as modestas posições 265.o e 351.o? Por que é que duas escolas geridas pelos salesianos (Salesianos do Estoril e Salesianos de Manique em Cascais) com orientações e condições de funcionamento idênticas apresentam resultados tão diferentes?

A primeira ocupa o 30.o lugar no ranking do ensino básico e o 4.o lugar no do secundário; a segunda escola ocupa o modesto 281.o lugar no ensino básico e 204.o no secundário. A razão é basicamente a mesma, enquanto a escola dos Salesianos do Estoril é frequentada pela elite socioeconómica, a de Pina Manique, porque financiada pelo Estado, acolhe alunos de meios mais desfavorecidos.

Os resultados estão à vista e falam por si, desmentindo as teses da acrescida competência e eficácia do ensino nas escolas privadas.

O que os rankings das escolas comprovam é que a contextos socioeconómicos mais favorecidos correspondem invariavelmente melhores resultados escolares e menos abandono escolar; verificando­se tendencialmente o inverso em contextos socioeconómicos mais desfavorecidos.

Isto sem qualquer juízo apriorístico ou determinismo social. Porém, é um facto que famílias de níveis socioeconómicos mais elevados e com maior cultura escolar, acompanham os seus filhos de forma mais próxima, atenta e estimulante, proporcionando­lhes meios e complementos de apoio ao estudo, a que outros não têm acesso.

E isso faz toda a diferença. Por mais que as escolas públicas e os professores se esforcem, é muito mais difícil vencer as diferenças de partida, que por vezes são mesmo inultrapassáveis. Tanto mais que os profundos e sucessivos cortes orçamentais e a asfixia da pouca autonomia das escolas impede respostas mais eficazes aos problemas de aprendizagem e do abandono escolar.

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SERAFIM DUARTE

Membro da Coordenadora Distrital e membro da Concelhia de Coimbra do Bloco de Esquerda

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