Portugal

Mau tempo: Vulnerabilidade habitacional dos mais pobres tem vindo a agravar-se

Notícias de Coimbra | 1 ano atrás em 30-12-2022

A vulnerabilidade habitacional dos mais pobres tem vindo a agravar-se, demonstrando-se em episódios como os das fortes chuvas que se abateram sobre Lisboa neste mês, alerta o geógrafo Luís Mendes.

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“Tem a ver com uma conjuntura de fatores que tem vindo a agravar muito as vulnerabilidades e as precariedades habitacionais de grupos muito específicos, não só da classe média, mas sobretudo dos imigrantes, dos idosos, dos casais jovens e dos mais pobres, de uma forma geral”, aponta.

“São comunidades que mereciam soluções de longo prazo, mais estruturais e que permitam até outros percursos de inclusão social e económica. As pessoas não são coisas que se ponham em gavetas. E nós, muitas vezes, quando pensamos na habitação, pensamos a curto prazo, num espaço e tempo muito definidos e, pior, (…) de uma forma desarticulada, muito fechados nos ciclos eleitorais e nos ciclos autárquicos”, critica o especialista do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (IGOT-UL).

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“Há um grande hiato entre uma visão nacional e uma estratégia nacional para a habitação e o que acontece a nível local”, argumenta, sublinhando que as políticas municipais “são muito focadas, muito limitadas no tempo e no espaço, muito reativas”, estando “preparadas para reagir depois de o fenómeno extremo acontecer”.

Ora, uma intervenção de longa duração e articulada entre políticas locais e nacionais “é importante para resolver e prevenir o problema”, defende Luís Mendes, lembrando que, a propósito das cheias, vem sempre à baila a crise climática e o desordenamento urbano e territorial, mas é esquecida a sustentabilidade social.

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Ora, “não é só uma questão ambiental ou económica, é também uma questão social”, que desaloja e desloca comunidades, realça o geógrafo. A resposta ao problema “é muito míope e centrada no aqui e no agora”, como se fosse “uma manta de retalhos”, lamenta.

Sublinhando que a habitação “é um problema estrutural” em Portugal, Luís Mendes observa que “uma parte muito significativa do parque habitacional está numa situação de avançado estado de degradação”, referindo-se não só aos bairros municipais ou à habitação pública, onde “tem havido algum investimento, pelo menos em Lisboa”, mas também ao edificado privado.

“A nossa construção é de má qualidade e não tem muita durabilidade no tempo”, diagnostica.

Porém, isso não explica tudo e hoje existe “uma conjuntura mais complicada, que não se limita às condições de habitabilidade ou à qualidade de construção”, mas passa por “políticas públicas muito fracas” e uma cada vez maior inacessibilidade a uma habitação de qualidade.

“Estes problemas tendem a concentrar-se nas zonas mais densamente povoadas”, aponta o geógrafo, assinalando que, nos territórios de baixa ou média densidade, as câmaras municipais têm feito “algum investimento”, apoiadas por fundos europeus, para mitigar alguns dos problemas.

“Onde o problema é mesmo agudo é nas áreas urbanas”, nomeadamente Lisboa e Porto, nota.

“Em Lisboa, a situação é muito dramática, o número dos sem-abrigo não tem parado de aumentar”, realça Luís Mendes, estimando – baseando-se em entrevistas que fez – que esta população tenha duplicado com a pandemia.

“Os albergues estão a abarrotar, estão cheios. Neste momento, há mesmo uma incapacidade de responder a esta população. Isto é um risco, é um risco para a saúde pública, é um risco para a vida destas pessoas”, alerta.

“Esta população tem vindo a aumentar muito nos últimos meses e, se olharmos bem para as cidades, percebemos que não são sem-abrigo de origem nacional, são população imigrante”, que “não tem acesso à habitação”, nota.

“É um direito humano, que é inalienável, universal e incondicional, que é o direito à habitação, e que está a ser coartado e fortemente limitado nestas populações. E isto é grave”, denuncia.

A chuva intensa e persistente que caiu durante vários dias de dezembro causou inundações, danos em habitações e comércios, quedas de árvores e cortes de estradas, afetando sobretudo os distritos de Lisboa, Setúbal, Portalegre e Santarém.

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