A maioria dos pedidos de reclusos para, por falta de autonomia, cumprirem o que resta da pena em casa ou instituições não é aceite pelos tribunais, com a tutela a reconhecer que “faltam respostas institucionais” para acolher estas pessoas.
O Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade estabelece que “reclusos portadores de grave deficiência ou doença irreversível que, de modo permanente, obrigue à dependência de terceira pessoa” ou que tenham pelo menos 70 anos e um estado de saúde “incompatível com a normal manutenção em meio prisional” têm direito a cumprir o que resta da pena internados em “estabelecimentos de saúde ou de acolhimento” ou em prisão domiciliária.
Segundo dados disponibilizados à Lusa pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), entre 1 de janeiro de 2023 e 30 de junho deste ano, deram entrada nos cinco tribunais de execução de penas do país 177 pedidos desse âmbito, dos quais foram aceites 25.
PUBLICIDADE
O tribunal mais representado é o de Lisboa, com 102 requerimentos, incluindo 16 procedentes, seguindo-se o do Porto, com 46 pedidos, dos quais cinco foram aceites.
Em Coimbra, há registo de 14 pedidos apresentados e um procedente; em Évora, de 10 entregues e dois aceites; e nos Açores, de cinco entrados e um concedido.
No total, foram rejeitados, indeferidos liminarmente ou estão a aguardar resposta 152 pedidos.
“A decisão de deferimento ou indeferimento destes pedidos depende da análise individual de cada caso, sendo ponderados os pressupostos legais e os elementos clínicos e sociais apresentados”, sublinha o CSM, acrescentando que “não é possível, sem uma análise concreta e detalhada” explicar a motivação das aceitações ou rejeições.
Ainda assim, o órgão de gestão dos juízes lembra que “encontrar uma solução adequada para o cumprimento da pena fora do meio prisional levanta, muitas vezes, questões que […] exigem respostas estruturadas de outras áreas da administração pública”, como a saúde, a segurança social, e a “existência de uma rede familiar ou institucional de apoio”.
De acordo com um magistrado que, sob condição de anonimato, falou à Lusa em representação da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, o problema nota-se, sobretudo, quando os reclusos dependentes não têm apoio familiar no exterior, uma vez que não há instituições suficientes que possam ou queiram acolher estas pessoas.
“Se não tivermos instituição, ficam nos estabelecimentos prisionais. E aí é um problema de não garantia da humanização da execução da pena. É um incumprimento por parte do Estado”, resume o juiz.
Questionado pela Lusa, o Ministério da Justiça reconhece que a aplicação dos mecanismos que permitiriam que estas pessoas cumprissem o remanescente da pena em casa ou em instituições se depara “com a falta de respostas institucionais adequadas ou suficientes”.
“Quanto a este ponto, a área governativa da justiça está em articulação com a área governativa da ação social para procurar soluções para permitir condições condignas para estes cidadãos vulneráveis”, garante, numa resposta por escrito, o gabinete do secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Gonçalo da Cunha Pires, sem adiantar pormenores.
PUBLICIDADE