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Latas de cerveja viram panelas e combatem pobreza no centro de Moçambique

Notícias de Coimbra com Lusa | 1 ano atrás em 20-02-2023

Maria José, 28 anos, crava os olhos no ensopado de latas de cerveja e ferro velho, um ‘cocktail’ que mexe enquanto ferve na brasa de um forno artesanal, para extrair alumínio e fabricar panelas que combatem a pobreza no centro de Moçambique.

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Num subúrbio de Chimoio, em Manica, a artesã e mãe solteira vive do negócio de reciclagem de alumínio, o metal que depois usa para fabricar copos, frigideiras, colheres, ferros de engomar a carvão e panelas, utensílios muito requisitados entre a população de baixos rendimento, pelo seu custo acessível e longevidade.

“Por semana às vezes consigo fazer 20 panelas, 15 panelas ou até 30 panelas, dependendo do movimento de saída das panelas ou dos produtos que trazem cá para comprarmos” e reciclar, diz à Lusa Maria José, apoiada num gancho de ferro, enrolado no extremo superior com saco de ráfia, que usa para mexer o ensopado no forno.

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A mulher chegou ao negócio pela mão da mãe, também artesã e viúva, e abraçou a reciclagem, agora seu único sustento, para manter a família e que a ajudou a regressar à escola, que tinha abandonado por falta de recursos.

“Sustento os meus dois filhos e a minha casa com base no negócio das panelas”, frisa, com um sorriso tímido, Maria José, a única rapariga no meio de dezenas de homens, com quem disputa os clientes.

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Integra uma cooperativa de artesãos que desde 2020 recicla latas de cerveja, refrigerantes, perfumes e sucatas para o fabrico de utensílios domésticos ainda muito procurados por famílias com baixo rendimento e que vivem em áreas sem acesso a corrente elétrica.

Dezenas de quilos de latas e sucata saem das lixeiras e ruas de Chimoio e chegam como matéria-prima diariamente à cooperativa “Ferro não se deita”, para serem reciclados, ajudando muitas famílias a realizarem o sonho de ter uma panela convencional, feita de forma artesanal.

O presidente da cooperativa, Rodrigues Viola, disse à Lusa que 47 operários, incluindo cinco mulheres, fazem reciclagem em barracas improvisadas montadas num quintal emprestado, ajudando o meio ambiente a ficar livre do lixo ao mesmo tempo que ajuda famílias a pagar as contas.

O negócio das panelas de alumínio ajuda a suprir despesas diárias com alimentos, saúde e educação dos operários, mas também permite substituir as panelas tradicionais, feitas de argila, atraindo mais os clientes do interior, porque podem usar por mais tempo o mesmo utensílio.

“Quando a população faz aquelas panelas tradicionais de barro não leva tempo, enquanto essas nossas panelas levam tempo, às vezes cinco anos ou até mesmo 10 anos, a usar a mesma panela”, justifica Rodrigues Viola, a nova atração pelas panelas.

Ana Otília João, 61 anos, outra artesã e mais velha da cooperativa vai mais longe ao assegurar que a reciclagem não só está a combater a pobreza, mas a reduzir a marginalidade dos filhos, uma vez que já os ocupa, ganhando dinheiro a apanhar e vender latas e sucata a cooperativa.

“Os nossos filhos aqui estavam a sofrer porque batiam-lhes, bastava serem vistos com um metical, que diziam ‘roubou na minha casa’. Agora desde que chegou a cooperativa tudo melhorou, porque todos já estão aqui a trabalhar”, observa Ana Otília João.

A mulher diz que compra 20 quilos de alumínio, entre latas e sucatas, e produz oito panelas do tamanho 9, ou 10 panelas do tamanho 8, que dão lucro suficiente para cobrir as despesas mensais e não falhar as três refeições por dia na casa.

Outro artesão, Mucheguere Mucheta, tem a especialidade de produzir ferros de engomar a carvão vegetal, e garante que não há rotura de matéria-prima, a maioria acumulada durante as festas do natal e fim do ano, para continuar a ajudar a economizar energia nas cidades e a tornar as pessoas asseadas em áreas sem corrente elétrica.

A maioria dos clientes “vem das localidades e algumas povoações onde a corrente elétrica ainda não está lá” e onde o ferro de engomar a carvão é o único recurso para manter a roupa asseada, explica à Lusa Mucheguere Mucheta, que em média demora dois dias para aprontar 30 ou 40 ferros de engomar.

“Mesmo na cidade também procuram por ferro de engomar a carvão, porque o custo de ferro de engomar elétrico é alto, além do elevado consumo de corrente elétrica, então eles precisam de ferro de engomar a carvão para economizar a energia”, anota Mucheguere Mucheta.

Os produtos dos artesãos de Chimoio chegam aos clientes nas províncias do centro de Moçambique a preços baixos e disputam espaço com várias bugigangas chinesas que inundam o mercado.

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