Uma comissão do Vaticano afirmou hoje que a Igreja Católica tem a obrigação moral de ajudar as vítimas de abusos sexuais por parte do clero e defende a reparação financeira e sanções para os agressores.
A Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores analisou a questão das reparações num segundo relatório anual sobre um tema sensível para a Igreja Católica.
No relatório, relativo a 2024, antes da eleição do Papa Leão XIV, são apresentados relatos de 40 vítimas em todo o mundo e dá voz às queixas sobre a forma como a Igreja tratou mal os casos e as exigências de quem sofreu abusos.
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Leão XIV reconheceu que o escândalo dos abusos, que manchou gravemente a credibilidade da hierarquia católica nos Estados Unidos, em partes da Europa e na América Latina, continua a ser “uma crise” para a Igreja.
O Papa fez questão de assinalar o compromisso com a comissão criada em 2014 pelo antecessor Francisco e que aconselha a Igreja sobre as melhores práticas para prevenir abusos.
O relatório sublinhou que os acordos monetários são necessários para fornecer às vítimas a terapia necessária e outra assistência complementar para ajudar a recuperar do trauma.
“A Igreja tem a obrigação moral e espiritual de curar as feridas profundas infligidas pela violência sexual perpetrada, permitida, maltratada ou encoberta por qualquer pessoa que ocupe uma posição de autoridade na Igreja”, salientou.
O documento, preparado com as vítimas num grupo de discussão, identificou a necessidade de responsabilização dos líderes da Igreja, de informação sobre os casos, de uma verdadeira reforma das estruturas da Igreja para punir adequadamente abusadores e facilitadores, e criar estratégias de prevenção eficazes.
“A comissão está empenhada em dizer às vítimas e aos sobreviventes: Queremos estar ao vosso lado”, disse o novo presidente da comissão, o bispo francês Thibault Verny, numa conferência de imprensa no Vaticano.
Significativamente, o relatório de 2024 afirmou que a forma como a Igreja lida com os casos de abuso e o “padrão de décadas de tratamento incorreto das denúncias, incluindo o abandono, a ignorância, a vergonha, a culpabilização e a estigmatização” das vítimas, é, por si só, traumatizante.
O processo está envolto em secretismo, de tal forma que as vítimas não têm qualquer direito à informação sobre o seu caso, além do resultado.
As vítimas não têm qualquer recurso real além de tornarem pública a sua história, o que também pode ser traumatizante.
O relatório pedia sanções que fossem “tangíveis e proporcionais à gravidade do crime”.
Apesar de a laicização ser um resultado possível para os padres perpetradores, a Igreja é muitas vezes relutante em afastar completamente os padres. Frequentemente, aplica sanções mais leves, como um período de retiro do ministério ativo, mesmo em casos graves de abuso.
O relatório atribuiu boas notas aos líderes da Igreja em Malta, na Coreia do Sul e na Eslováquia, onde a maioria das dioceses, se não todas, responderam ao questionário da comissão sobre políticas e práticas de prevenção.
No entanto, mesmo em Itália, apenas 81 das 226 dioceses responderam ao questionário.
O documento pedia ainda que a Igreja “comunicasse claramente as razões da demissão ou do afastamento” dos membros visados em casos de abusos.
O relatório fez uma auditoria às políticas e práticas de proteção das crianças em mais de uma dúzia de países, bem como em duas ordens religiosas, num movimento laico e no gabinete do Vaticano responsável pela Igreja no mundo em desenvolvimento.
Referia ainda que o gabinete missionário, responsável por 1.124 dioceses na Ásia, África, Oceânia e partes da América Latina, ou seja, um terço das dioceses da Igreja, ter recebido apenas um “pequeno número de casos” e apenas duas denúncias de bispos que encobriram a verdade.
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