Quando a tua música favorita começa a tocar alto, o pulso acelera e os pelos da pele arrepiam-se. Mas para algumas pessoas, como Allison Sheridan, ouvir o mesmo refrão não provoca qualquer emoção — e isto acontece com todos os géneros musicais.
Apesar de ter crescido numa família musical rodeada por vinis, Allison descreve a música como algo estranho, “a meio caminho entre o entediante e a distração”. O que mais lhe custa, acrescenta, é ser ridicularizada por quem não percebe a sua indiferença: “Toda a gente adora música, certo?”.
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Uma nova revisão científica sugere que esta falta de resposta não resulta de problemas auditivos ou de mau gosto, mas sim de uma falha na transmissão cerebral. Embora o som seja devidamente processado pelo sistema auditivo, a mensagem não chega à zona do cérebro responsável pela sensação de prazer. Este fenómeno é conhecido como “anedonia musical específica” — uma indiferença seletiva à música em pessoas saudáveis.
Estudos anteriores confirmam que quem sofre desta condição ouve normalmente e responde a outros estímulos prazerosos, como ganhar dinheiro num jogo, que activa o núcleo accumbens — o centro de recompensas do cérebro. No entanto, nestas pessoas, a música não provoca essa ativação, nem alterações na frequência cardíaca ou na condutância da pele. Estima-se que entre 3% a 5% da população mundial experiencie esta apatia musical.
Publicado na revista Trends in Cognitive Sciences, o artigo defende que a causa está na comunicação deficiente entre regiões auditivas do cérebro, especialmente o giro temporal superior direito, e o núcleo accumbens. Embora o circuito de recompensa funcione normalmente, a “ponte” que liga o som ao prazer está interrompida.
Esta ligação passa por várias regiões, como o córtex orbitofrontal e a ínsula, que processam o significado do som antes de o transmitir para o centro de recompensa. A dopamina e os opioides desempenham um papel fundamental neste processo, traduzindo a tensão e a surpresa da música em emoções prazerosas.
Para estudar esta condição, os investigadores criaram o Questionário de Recompensa Musical de Barcelona (BMRQ), que avalia cinco formas de gratificação musical: evocação de emoções, regulação do humor, recompensa social, envolvimento sensório-motor e busca por novas músicas. Pessoas com anedonia musical apresentam pontuações baixas em todos os aspetos.
A genética também parece influenciar: estudos com gémeos indicam que até 54% da variabilidade no prazer musical é hereditária, independentemente da perceção do tom ou da sensibilidade a recompensas em geral.
Curiosamente, o desejo de se mexer ao ritmo da música pode permanecer intacto, sugerindo que as vias cerebrais ligadas ao ritmo são mais resilientes do que as que processam tom e harmonia.
Segundo o neurocientista Josep Marco-Pallarés, da Universidade de Barcelona, “a falta de prazer resulta da desconexão entre o circuito de recompensa e a rede auditiva, e não do funcionamento do circuito em si”. O coautor Ernest Mas-Herrero destaca que a forma como o circuito de recompensa interage com outras regiões cerebrais é crucial para a experiência de prazer.
Os investigadores propõem que esta lógica pode explicar variações individuais em resposta a outros estímulos gratificantes, como comida ou interações sociais, abrindo caminho a estudos sobre anedonia, vícios e transtornos alimentares.
A investigação sugere ainda que a estimulação não invasiva do circuito de recompensa pode aumentar o prazer musical, indicando possibilidades para futuras terapias.
Ficam em aberto questões sobre se a anedonia musical é permanente ou se pode ser modificada com treino e se pessoas com anedonia generalizada poderão conservar prazer noutros domínios, como a música.
Para os chamados “hiper-hedónicos”, que não conseguem imaginar a vida sem música, a mesma ponte que falha para uns é fundamental para o seu prazer.
No fundo, a música só traz emoção se a melodia conseguir atravessar essa ponte cerebral.
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