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Grupos crioulos portugueses do Sri Lanka sem recursos para participar em festival de Cantanhede

Notícias de Coimbra | 5 anos atrás em 23-03-2019

As comunidades burghers portuguesas do Sri Lanka manifestam o desejo de participar em festivais de folclore portugueses, mas a falta de financiamento tem impedido as deslocações a Portugal, segundo o autor da mais recente investigação sobre falantes do crioulo português.

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Os burghers portugueses são uma comunidade de “milhares de pessoas” falantes de crioulo português que tem como origem a presença dos portugueses no Ceilão no século XVII.

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“Eles já tentaram participar, por exemplo, no festival de Cantanhede (Semana Internacional de Folclore) e estes festivais estão abertos a este tipo de participação, mas é difícil conseguir o financiamento para as viagens. Teriam de vir os músicos e os dançarinos”, disse à Lusa à Lusa o investigador Hugo Cardoso.

“A ‘cafrinha’ é uma música que utiliza sempre violino, guitarra, uma percussão local que se chama rabana e harmónica e é acompanhada por quatro pares de dançarinos: oito pessoas. A outra opção seria trazer apenas os músicos, mas as comunidades gostariam de enviar a ‘performance’ completa”, explicou o linguista Hugo Cardoso autor da investigação sobre as comunidades burgher portuguesas, no Sri Lanka.

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Estas comunidades identificam-se como burghers – palavra que significa “cidadãos” em holandês – e o termo passou a designar-se para todas as pessoas que tivessem uma ascendência euro-asiática incluindo os portugueses e também os holandeses, no Sri Lanka.

Além da “cafrinha” a comunidade de falantes do crioulo português introduziu no país a “baila” que pode ser considerada atualmente a música mais popular a nível nacional.

“Baila é um estilo de música do Sri Lanka, extremamente popular no país ao ponto de ser considerada a música nacional e que tem as suas raízes, tal como o nome indica, na presença portuguesa e nas tradições musicais destas comunidades burghers. Existe a baila cantada em crioulo português, mas também é cantada em tâmil ou cingalês”, explica Hugo Cardoso.

“O que observamos atualmente é que há dois grupos particularmente ativos na preservação da música e da dança. Um deles é constituído por pessoas mais idosas e que ainda falam bem o crioulo e depois há um grupo que forma pessoas mais novas, entre as quais, alguns já não falam a língua. Usam a língua nas canções, mas isso não é suficiente para preservar a língua nas suas famílias”, alerta o investigador.

O linguista da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa realizou uma investigação sobre as comunidades burgher portuguesas cujo material começa a estar disponível através do Arquivo das Línguas Ameaçadas (Endengered Languages Arquive) gerido em Londres pela SOAS (Universidade de Londres) que financiou a investigação.

“Este crioulo é muito interessante no contexto dos crioulos em geral e já se sabia que era assim em virtude de trabalhos anteriores, dos anos 1970. Todos os crioulos da Ásia têm alguma forma de parentesco. Muitos divergiram mais tarde no contexto local, mas notam-se elementos comuns através dos estudos comparativos”, disse.

“Sendo assim, o crioulo do Sri Lanka e também o da Costa do Malabar, Índia, são particulares, possivelmente por causa da sua história, por não terem contacto com o português durante muitos séculos. O seu perfil linguístico aproximou-se muito do perfil linguístico das outras línguas com as quais convivem e que resultam em línguas crioulas muito diferentes das outras porque se aproximaram das outras línguas em estruturas gramaticais.

Segundo Hugo Cardoso, a ideia que se tem desenvolvido é a de que quando o português desaparece de alguma sociedade a língua inicia um processo de convergência com as outras línguas locais e como a saída dos portugueses ocorreu em meados do século XVII houve mais tempo para este crioulo se aproximar em termos gramaticais das línguas da região o que resulta num perfil linguístico muito diferente: “em vez de preposições têm posposições, que vêm depois dos nomes. Os verbos vêm no final das frases e tudo isto está relacionado com o perfil linguístico das línguas dravídicas da Ásia Meridional”.

“A língua é muito opaca, conseguimos imediatamente identificar algumas palavras, mas só depois de nos habituarmos à fonética é que começamos a reconhecer muitas mais palavras. Percebemos que o léxico é quase todo português, com transformações interessantes, com alguns arcaísmos e influência do holandês, do inglês e do tâmil. Mas, continua a ser fundamentalmente português”, descreve.

Uma das principais conclusões da investigação indica que, apesar de existirem milhares de falantes, a transmissão da língua às gerações mais novas está ameaçada sendo que a solução devia incluir especialistas do próprio crioulo no sentido de manter a identidade da língua, caso seja esse o desejo da comunidade.

“Faz sentido se a comunidade sentir ajuda e interesse de ajuda das instituições de Portugal mas isso deve ser feito com muito cuidado e o meu receio nestas situações é que não seja feito com cuidado porque se a intervenção for feita sem se saber como conservar essa língua e introduzir o português europeu isso pode ter como resultado substituir o crioulo pelo português, que é negativo a meu ver porque este processo deve ser aditivo e não subtrativo, e por isso tem de ser feita uma intervenção muito responsável ou então no limite pode dar mais força à ideia de que aquelas línguas são incorretos e devem ser abandonados sem que nem o português se consiga implementar nessas regiões”, diz Hugo Cardoso insistindo na manutenção do crioulo.

“Nós estamos a trabalhar numa universidade portuguesa, temos interesse por esta língua e estamos a fazer o que pudemos para apoiar a preservação desta língua, não a introdução do português. Há uma ideia de que estas línguas são cápsulas do tempo, mas não é isso. Elas têm a sua origem, mas depois têm transformações muito significativas a todos os níveis, não se pode dizer que seja uma preservação do português antigo”, refere o investigador que pretende estudar o português tal como é falado em Goa, Damão e Diu que “não está devidamente estudado e documentado”.

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