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Grécia vai a votos e todos os cenários de vitória estão em aberto

Notícias de Coimbra com Lusa | 12 meses atrás em 19-05-2023

A Grécia é convocada no domingo para eleições legislativas, com as sondagens a darem vantagem ao atual primeiro-ministro conservador, Kyriakos Mitsotakis, mas sem maioria no confronto nas urnas com uma oposição de esquerda dividida e um programa difuso.

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Desde o fatídico acidente de comboio no vale de Tempe, Grécia central, que provocou 57 mortos e mais de 80 feridos em 28 de fevereiro passado, a cena política grega está em ebulição.

Muito criticado em particular pela má gestão dos caminhos-de-ferro, o atraso na adoção de um sistema de sinalização moderno e o duvidoso recrutamento de um inexperiente chefe de estação, Mitsotakis e 16 ministros foram visados na terça-feira por uma queixa coletiva de famílias das vítimas do acidente.

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Apesar dos sucessivos escândalos e tragédias, a Nova Democracia (ND, direita), o partido de Mitsotakis, que durante meses garantia uma vantagem de dez pontos nas sondagens sobre o Syriza – o partido de esquerda do ex-primeiro-ministro Alexis Tsipras que se apresenta numa Aliança Progressiva –, recuou mas ainda lidera, e parece resistir às adversidades.

De acordo com relatórios de diversas organizações internacionais, os quatro anos do Governo conservador, após o regresso da ND ao poder em 2019, foram assinalados por diversos recuos das liberdades fundamentais.

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Escândalos envolvendo escutas telefónicas, ataques contra a liberdade de imprensa, coação a artistas e a estudantes, violenta repressão de manifestações, endurecimento das políticas migratórias e um rígido bloqueio dos exilados vindos da Turquia, são alguns dos factos apontados.

O escândalo de escutas a políticos, incluindo da ND, jornalistas e altos responsáveis militares pelos serviços secretos gregos – sob controlo direto de Mitsotakis – foi um dos temas que a oposição destacou durante a campanha, mas com escassos efeitos.

Uma sondagem divulgada em 10 de maio pela cadeia televisiva Skai indicou que a ND obteria 32,5% das intenções de votos e o Syriza 26%, confirmando a queda relativa do partido aglutinador da direita grega. Em terceiro lugar, com 9%, surge o Kinal-Pasok, social-democrata, em tempos o partido que se revezava no poder aos conservadores num país onde as memórias e fraturas da guerra civil (1946-1949) ainda não se desvaneceram.

As eleições vão decorrer segundo um escrutínio proporcional simples, aprovado pelo parlamento do anterior Governo de Tsipras, que deixa antever muitas incertezas, e a perspetivar novo ato eleitoral para o início de julho.

Todos os partidos que ultrapassem os 3% de votos garantem assento no hemiciclo, mas para obter a maioria absoluta (151 dos 300 lugares do parlamento grego, também designado como Vouli), um partido ou coligação deverá obter entre 40% e 50% dos votos, um objetivo que parece difícil de atingir.

O Syriza de Alexis Tsipras, que se apresenta no escrutínio sob o signo de uma Aliança Progressiva, continua a apostar numa “coligação de forças progressistas reunidas em torno de um programa de Governo”.

Neste cenário de instabilidade, uma eventual “coligação progressista” entre o Syriza e o Pasok, uma aposta de Tsipras, permanece difusa e também não garante a obtenção de uma maioria para formar Governo.

Tsipras diz pretender forjar esta alternativa “para expulsar o pior Governo direitista desde a queda da ditadura [militar, em 1974]” e “fazer da Grécia um país europeu” em termos económicos e de direitos sociais.

Os dois partidos necessitam, pelo menos, de um terceiro aliado, tarefa que parece quase impossível. Para além das indefinições do Pasok, o Mera25 (esquerda) do ex-ministro das Finanças Yanis Varoufakis (3,5%) e o Partido Comunista da Grécia (KKE, com 6% das projeções) já asseguraram que não apoiarão um executivo liderado por Tsipras.

Em conjunto, os quatro partidos poderiam alcançar o mínimo requerido (45%) para garantir uma maioria absoluta de 151 lugares no parlamento.

Do lado oposto do espetro político, os pequenos partidos de extrema-direita também apostam no desespero e na insatisfação da população para obterem vantagens eleitorais.

A perspetiva de obter uma maioria também parece afastada no campo da direita. O Governo de Mitsotakis tem agitado a ameaça de ingovernabilidade para coagir os eleitores, e quando os estudos assinalam 10% de indecisos.

Durante um discurso na passada quarta-feira em Naoussa, ilha de Paros (nas Cíclades), o primeiro-ministro grego considerou estar em causa “a estabilidade ou o caos” e rejeitou a perspetiva de um executivo de transição no caso de resultados inconclusivos no domingo, opondo-se a novas “experimentações”, numa óbvia alusão aos governos de coligação liderados pelo Syriza entre 2015 e 2019.

Mitsotakis também tem utilizado o argumento do crescimento económico, do investimento estrangeiro e dos prometidos aumentos salariais, que nos próximos anos colocarão a Grécia perto da média da União Europeia (UE), para angariar eleitorado.

Na ausência de uma maioria neste escrutínio, os eleitores gregos serão de novo chamados às urnas no início de julho, desta vez com um sistema proporcional reforçado, segundo uma reforma adotada pelo Governo de Mitsotakis.

O partido mais votado irá de novo beneficiar até 50 lugares suplementares, um sistema teoricamente favorável ao partido conservador e com Mitsotakis a insistir numa maioria “estável”, semelhante à que garantiu em 2019 e evitando coligações com outros partidos.

Diversos economistas têm alertado para a frágil situação económica do país, ao contrário do que deixaram entender durante a campanha eleitoral a generalidade dos partidos, incluindo da oposição, que idealizaram a situação e transmitiram uma frágil imagem da realidade.

Os progressos económicos registados pela Grécia, que no verão de 2022 deixou de estar submetida à “vigilância reforçada” da Comissão Europeia, explicam-se no essencial pela retoma do turismo, a atribuição de fundos europeus após a pandemia de covid-19 e ainda pelo prosseguimento das privatizações massivas.

Nos debates foi evitada a abordagem aos grandes desafios económicos que o país enfrenta, como a dívida que permanece significativa, o aumento dos preços, o nível de pobreza e as escassas perspetivas de autonomia financeira para a juventude, confrontada com salários baixos, más condições de trabalho e estatutos precários.

Com uma taxa de desemprego de 24% entre os jovens com menos de 25 anos, uma das mais elevadas da UE, um forte aumento do preço da habitação e salários que estagnam (salário mínimo de 780 euros desde 01 de abril), numerosos jovens com mais de 30 anos ainda estão a viver em casa dos pais. Muitos têm partido em busca de melhores condições de vida e de trabalho, um problema grave para a economia.

A reforma do sistema eleitoral impulsionada em 2016 pelo Syriza reduziu a idade mínima para participar em eleições, dos 18 para os 17 anos, com 430.000 jovens entre os 17 e os 21 anos a poderem votar neste escrutínio pela primeira vez.

O brutal acidente de comboio em 28 de fevereiro recordou os limites do modelo ultraliberal aplicado por Mitsotakis, e as grandes manifestações suscitadas pela tragédia demonstraram a oposição de muitos gregos a estas políticas. Mas permanecem muitas dúvidas sobre a possibilidade de a Grécia voltar a virar de página política e de qual será o desfecho do escrutínio de domingo.

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