Região
Góis: Maternidade de folhosas e um rebanho apontam o futuro na Aigra Nova

Imagem: Paulo Novais/LUSA
A aldeia de xisto de Aigra Nova, na Serra da Lousã, viu-se cercada de chamas, mas depois do pós-incêndio já se pensa no futuro. Dar-se-á uso à maternidade de folhosas que escapou ao fogo e um rebanho comunitário vai nascer.
Situada no concelho de Góis, junto à fronteira com o concelho da Lousã, a pequena aldeia de xisto teve as chamas a subirem da ribeira até à encosta, no final da tarde de dia 15, depois de uma mudança repentina na direção da frente do fogo que começou no Candal.
“Ao início nem víamos sequer o fogo, por causa do fumo. Só percebíamos a direção pelo vento e pelo barulho das chamas”, diz à agência Lusa Cátia Lucas, uma das poucas residentes de Aigra Nova.
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Por ali, valeu a ação de militares da GNR e de uma equipa de bombeiros. Sem eles, Cátia, que é coordenadora da Lousitânea – Liga de Amigos da Serra da Lousã, acredita que a aldeia teria desaparecido.
Além das casas, a equipa da Lousitânea também procurou estancar o avanço das chamas em direção à sua maternidade de espécies autóctones, projeto que tem desde os grandes incêndios de 2017, em parceria com a Fundação Benfica.
“Uma das nossas preocupações foi ligar os aspersores para tentar salvar a maternidade”, recorda Cátia, que vive naquela localidade há cerca de três anos e meio.
Distribuídas por três estufas, há mais de 12 mil plantas, entre carvalhos, bétulas, castanheiros, nogueiras, azevinhos, teixos e medronheiros, que podem ser apadrinhadas.
“Agora, vamos precisar de muitas mais”, observa Cátia Lucas, considerando que o trabalho de reflorestação sai ainda mais reforçado depois deste último incêndio.
Junto à maternidade está Lurdes Lopes, funcionária da Lousitânea, que Cátia diz ser “a mãezinha destas bebés todas”.
Às vezes, põe música para as plantas, outras vezes deixa que se oiçam “os passarinhos a cantarolar”, conta.
“Às vezes, fecho os olhos e antes ouvia os passarinhos todos a cantarem, até longe. Agora, o que eu noto é um vazio, também porque nós estamos afetados por dentro, que isto não é só uma aldeia, é a nossa casa”, conta Lurdes Lopes.
Apesar do embate, a funcionária vinca que não é altura para parar: “Vou tentar encher este espaço ainda mais, porque não está cheio e precisamos”.
“A gente não vai desistir”, vinca Cátia Lucas.
Além da maternidade, pronta para o esforço do pós-incêndio, o fogo reforçou também uma ideia antiga de dinamizar o pastoreio, até porque parte da envolvente de Aigra Nova estava limpa graças ao trabalho do já pequeno rebanho de outra moradora, que estava a desfazer-se do gado, face à sua idade.
“Se não fosse o gado da dona Lurdes, teria sido bem pior e bem mais violento”, nota Cátia.
Naquela zona da Serra da Lousã, há três pastoras, divididas por três aldeias: Comareira, Aigra Nova e Aigra Velha.
E apesar de todas elas terem hoje rebanhos mais pequenos, o trabalho das cabras ainda é visível em alguns pontos da encosta.
“Em tempos, quando soubemos que a dona Lurdes queria desistir do rebanho, porque a idade já custa, sabíamos que estas periferias da aldeia iam estar comprometidas e já era uma grande preocupação. Agora que o fogo passou pela aldeia dissemos: ‘Não, agora é que é mesmo de vez e vamos avançar com um projeto de um rebanho comunitário’”, conta à Lusa Cátia Lucas, referindo que essa decisão já foi tomada numa reunião da Lousitânea, no rescaldo deste fogo.
Uma dessas pastoras que contribui para uma encosta mais limpa é Elsa Claro, na vizinha Aigra Velha, que já chegou a ter 300 cabeças e que hoje tem apenas cinco cabras, mas à espera de “mais umas quantas” que devem chegar em breve.
Nessa aldeia vizinha, o fogo não chegou, depois de ter tido a ajuda de bombeiros e dos filhos que trocaram aquilo que seria o almoço do 64.º aniversário da pastora pelo combate às chamas.
“Tinha combinado uma festa para junto filhos e netas, mas as contas saíram furadas”, conta Elsa Claro.
Apesar de ter um rebanho pequeno, acredita que o trabalho das suas cabras também terá tido um papel.
“Vão comendo e limpando o mato. Onde o gado come, está tudo rasteirinho”, nota.
Se em tempos havia muito pastoreio pela Serra da Lousã, hoje o contingente de cabras é diminuto e com tendência para se extinguir.
“É uma profissão que já ninguém quer. Os meus filhos gostam disto, mas isto não é futuro nenhum”, atesta Elsa Claro.
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