A coordenadora do Observatório das Migrações de São Paulo, Brasil, acredita que o estrangulamento das fronteiras aos imigrantes definido pelas políticas de extrema-direita vai reduzir este movimento, mas sobretudo fomentar a imigração ilegal.
Rosana Baeninger, que é professora na Universidade Estadual de Campinas e estuda migrações internacionais há 45 anos, esteve recentemente em Lisboa para o lançamento de um livro sobre emigração brasileira e, em declarações à agência Lusa, disse que estas medidas de restrição, como aconteceu em Portugal, vão conduzir a uma redução da imigração, sobretudo se o reagrupamento familiar não for possível.
Na versão da lei dos estrangeiros que tinha sido aprovada em julho na Assembleia da República com os votos favoráveis de PSD, CDS e Chega – e que foi entretanto chumbada pelo Tribunal Constitucional – só era permitido o reagrupamento familiar com membros da família menores de idade, desde que estes tivessem entrado legalmente em Portugal e residissem no país.
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“Eu acho que essa redução [da vinda de brasileiros para Portugal] vai acontecer paulatinamente, mas eu acho que o mais complicado é a permanência de imigrantes indocumentados” no país, disse.
Ou seja, os imigrantes continuarão a existir, mas de uma forma ilegal, indocumentados, e, “aí sim, numa situação cada vez mais precária, cada vez mais sem direitos e aumentando a xenofobia e preconceito com esses imigrantes que fazem parte do mercado secundário de trabalho”, previu.
Rosana Baeninger lamenta que “algumas conquistas sociais, do ponto de vista da migração internacional”, tenham vindo a romper-se com as novas legislações.
“Essas restrições fazem parte de um conjunto muito maior” de encerramento “do norte global para o sul global” e, olhando para a ótica da geopolítica, “o norte vai fechar cada vez mais as portas para o sul global, incluindo os brasileiros e as brasileiras”.
Em relação ao Brasil, de onde é oriunda, a académica não tem dúvidas de que, “independente da dinâmica económica ir bem ou mal, as decisões migratórias não se pautam mais apenas pela questão do emprego”.
“O que responde muito mais aos processos migratórios é a não possibilidade da mobilidade social que antes a migração interna favorecia no Brasil”, disse, acrescentando: “Hoje, mesmo com o maior nível de educação, não se consegue mais uma mobilidade social como a que se alcançou nos últimos 50 anos”.
O que existe hoje é “um desencantamento”, observou, referindo que não há garantia de um emprego qualificado para quem termina a faculdade.
E são estes brasileiros qualificados que têm uma forte presença na imigração brasileira em Portugal, representando esta nacionalidade 38% do total de estrangeiros a residir no país.
O mercado internacional também não é uma garantia e, segundo Rosana Baeninger, muitos brasileiros, incluindo os qualificados, têm de estar no mercado secundário de trabalho nos países de destino, abaixo da sua qualificação, porque precisam de ganhar dinheiro.
Sobre a comunidade brasileira em Portugal, a investigadora disse tratar-se de um fluxo migratório muito heterogéneo, pautado por uma migração tanto de menor escolaridade, como de alta escolaridade.
“Isso não quer dizer que esses imigrantes vão estar em mercados de trabalho distintos”, pois “muitos deles estarão nos mesmos mercados de trabalho”, uma vez que “os países de destino não necessariamente darão as oportunidades para quem tem uma alta qualificação”.
Rosana Baeninger acredita que “os regimes da extrema-direita vão fortalecer a imigração qualificada e privilegiar esses imigrantes”, porque eles cumprem esse papel “do ponto de vista dos novos mercados de trabalho – ciência, tecnologia, inovação”.
O que conduz à ideia de que “as restrições migratórias estarão cada vez mais fortes para imigrantes que estejam com baixa escolaridade”.
Contudo, é precisamente o setor de serviços, mais coberto pela imigração não qualificada ou de baixa escolaridade, que mais necessidade apresenta de mão-de-obra imigrante.
“Oficialmente vai haver um convite à imigração qualificada”, mas “as necessidades vão dizer outra coisa” e “o perigo disso é que na imigração de menor escolaridade haja uma escolha e uma hierarquia de nacionalidades que vão poder entrar ou não nesses serviços”.
Sobre o convite à formação profissional em Portugal, como forma de obter o visto para entrar no país, Rosana Baeninger disse que se poderá converter numa “política implícita de imigração, para querer os imigrantes desejados, que são os qualificados”.
“O que acontece com essas empresas é que elas vão fazer uma rotatividade muito grande desses trabalhadores. Entram e saem, porque eles vão conseguir que muita gente se inscreva, que a mão-de-obra se torne barata, salários, e com uma rotatividade muito grande o período de permanência pode diminuir”.
Questionada sobre quem ganha com esta situação, não hesitou em responder: “O capitalismo”.
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