Vi um anúncio que dizia: “Procura-se escritor exausto.” E não, não era uma piada. Candidatei-me.
O que faço, por vezes, é chorar sobre uma página e, se isso contar como sinal de cansaço, então assumo: ando exausta. Faço parte da geração X, aquela que atravessou o século, e talvez devesse ter isso em conta sempre que me queixo de fadiga existencial.
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Tive o privilégio de saltar à corda, de subir a árvores, de chegar a casa antes do jantar, com os joelhos arranhados e as ideias intactas. Nem foi há tanto tempo, mas hoje sou “velha”, pelo menos à luz da geração Alpha, que já nasceu com o dedo treinado para o ecrã. Gosto de pensar que é bonito constar no meu currículo que pertenço à geração X e que trago comigo a memória daqueles dias lentos em que as notícias chegavam no pequeno-almoço pelas mãos do jornaleiro/ardina.
A minha infelicidade foi querer ajustar-me à era tecnológica e deixar de ser a rapariga de óculos, sentada na biblioteca, a desenhar o futuro com uma caneta enquanto lia ‘A Insustentável Leveza do Ser’, de Milan Kundera. Descobri cedo que ler era o antídoto contra qualquer veneno, especialmente quando a “prisão” (casa e cozinha) feminina carecia de distração e de pensamento crítico.
Aprendi a falar aos dois e a ler aos cinco anos, o que, convenhamos, era o ritmo natural da espécie antes do ‘scroll’ ditar o compasso da infância. Aos treze, já queria ser jornalista. A primeira palavra que aprendi a soletrar foi “ce-bo-la”. Um acontecimento. A partir daí, os acontecimentos multiplicaram-se em toda a parte, o tempo todo, sem exceções. Gostava do modo como me colocava diante deles: curiosa, observadora, viva.
Antes de me julgarem, aprendi a cortar cebolas e a chorar sem vontade. Mas o meu espírito desbravador ninguém conteve. Tive poucas experiências extraordinárias, é certo, mas nas minhas alucinações fui uma estrela e ninguém quer admitir o fracasso na literatura, muito menos quem acredita ser escritor.
Um ano depois do anúncio, desempenho oficialmente o papel de escritora exausta. Escrevo cartas-resposta às pessoas que escrevem ao Pai Natal. Canso-me só de saber que muitos daqueles sonhos em papel nunca se realizarão pelas mãos do homem que o capitalismo inventou. Mas o contrato era claro: manter viva a ilusão das crianças. E, também a dos adultos que, ironicamente, são a maioria dos meus destinatários.
E assim, entre deadlines e desilusões, uma autora da geração X reflete sobre o cansaço de escrever num tempo em que se exige rapidez até para me sentir escritora.
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