No extremo norte do planeta, onde o frio é constante e a vida se molda ao gelo, sobrevive uma das raças caninas mais antigas e fascinantes do mundo: o cão-da-Gronelândia, conhecido como Grønlandshund em dinamarquês e Kalaallit Qimmiat na língua Inuit.
Este cão ancestral, estreitamente ligado ao estilo de vida nómada do Círculo Polar Árctico, enfrenta agora um declínio preocupante — e pode estar em risco de desaparecer.
Chegados à Gronelândia com os povos Inuit há cerca de mil anos, estes cães descendem provavelmente de linhagens ainda mais antigas, vindas da Sibéria ou do Árctico canadiano há cerca de 4.000 anos. São considerados cães “primitivos”, próximos dos lobos árticos tanto na aparência como no comportamento.
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Uma das suas características mais marcantes é o facto de não ladrar. Comunicadores natos, expressam-se através de uivos profundos e gritos agudos que emitem quando estão excitados — um traço herdado dos seus parentes selvagens, informa a National Geographic.
Como outros cães nórdicos do grupo spitz, o cão-da-Gronelândia foi criado para o trabalho árduo: caça e pesca, especialmente de focas; e transporte em trenó, onde sempre se destacou pela força e resistência.
Viveram durante séculos em estreita relação com os Inuit, num isolamento que garantiu uma aparência homogénea, mas que hoje contribui para problemas de endogamia. Não são cães de companhia tradicionais — exigem atividade física intensa, estímulo mental e muito espaço exterior. Além disso, são ruidosos e desconfiados perante estranhos.
O isolamento que preservou a raça durante gerações pode agora ser o seu maior inimigo. Nos últimos 20 anos, a população caiu para metade, restando apenas cerca de 3.000 exemplares, segundo um recenseamento de 2023.
Entre as causas deste declínio estão:
- Substituição dos trenós por snowmobiles, mais económicos e rápidos;
- Diminuição da caça, cada vez mais ritual que necessidade;
- Alterações climáticas, que reduzem o gelo necessário para atividades de transporte e caça;
- Pouca popularidade como animais de estimação, ao contrário de huskies, malamutes ou samoiedos.
Com menos utilidade prática e sem grande apelo comercial, a raça depende hoje do turismo para sobreviver — sobretudo atividades de trenó organizadas por comunidades Inuit.
Mais do que simples animais de trabalho, os cães-da-Gronelândia são parte da identidade dos povos Inuit. A sua possível extinção seria também a perda de uma herança cultural árctica, construída ao longo de milénios.
Com o gelo a recuar ano após ano e o mundo a mudar rapidamente, a sobrevivência desta raça milenar depende agora de esforços de preservação, do turismo responsável e de uma renovada valorização do património cultural do Árctico.
Se nada for feito, o cão-da-Gronelândia poderá ser mais uma vítima silenciosa do aquecimento global — levando consigo um pedaço da história dos povos do Norte.
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