Espanha está prestes a dar um novo passo na reorganização dos cuidados de saúde com a aprovação do anteprojeto da nova Lei do Medicamento, que prevê o alargamento da prescrição de medicamentos a enfermeiros e, pela primeira vez, a fisioterapeutas.
A medida, que já tem apoio governamental, enfrenta, no entanto, forte resistência por parte das ordens médicas – uma realidade que em Portugal se repete.
Em território nacional, o tema continua a ser visto como controverso. A Ordem dos Enfermeiros (OE) propõe um caminho gradual, começando pela prescrição de ajudas técnicas, como cadeiras de rodas, andarilhos e oxigénio, para depois avançar para os fármacos. No entanto, a proposta apresentada ao anterior Governo ficou em suspenso com a queda do Executivo.
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Para Luís Filipe Barreira, bastonário da OE, é urgente romper com o “tabu”. “Portugal está a desperdiçar competências e a criar frustrações nos profissionais de enfermagem”, alerta, lembrando que já existe legislação nacional, desde 2009, que permite a prescrição por enfermeiros especialistas em saúde materna no contexto da gravidez de baixo risco, mas que nunca foi regulamentada.
Vários países europeus – como o Reino Unido, França, Suécia, Noruega e agora Espanha – permitem que enfermeiros prescrevam medicamentos, em alguns casos com supervisão médica e em outros com maior autonomia. Estudos realizados nesses países apontam para ganhos em acessibilidade, redução dos tempos de espera e níveis de segurança comparáveis aos da prescrição médica tradicional.
Apesar disso, em Portugal, a Ordem dos Médicos mantém uma posição firme contra qualquer alargamento do ato de prescrição. Carlos Cortes, bastonário da instituição, reitera que este é um “ato exclusivo dos médicos” e “não delegável”, reforçando que a prioridade deve ser a segurança do doente, e não a expansão de competências entre profissionais de saúde.
Ainda assim, Carlos Cortes admite alguma flexibilidade quanto à proposta da OE sobre ajudas técnicas. “Desde que salvaguardado o ato médico, estamos disponíveis para analisar propostas”, declarou ao Jornal de Notícias.
Também os fisioterapeutas portugueses veem com bons olhos o avanço em Espanha. A Ordem dos Fisioterapeutas sublinha que o seu regulamento já prevê a prescrição e monitorização de intervenções no âmbito da fisioterapia, defendendo igualmente o direito de prescrever dispositivos técnicos de apoio relacionados com a sua prática.
Manuel Lopes, professor da Universidade de Évora e ex-coordenador da reforma dos cuidados continuados, lamenta o atraso do debate em Portugal. “Esta discussão devia ter sido feita há uma década. Os profissionais de saúde têm hoje competências muito mais amplas do que há 30 anos, mas o perfil legislativo continua ancorado no passado”, defende.
Enquanto Espanha avança, Portugal continua a adiar um debate que, segundo muitos especialistas, é inevitável para responder aos desafios de um sistema de saúde mais acessível, eficiente e multidisciplinar.
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