Opinião

Draguem-me porra!

Notícias de Coimbra | 5 meses atrás em 24-12-2023

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Porra é um pau de oliveira, contava minha avó que, além de professora primária, educou 7 filhos e ergueu uma casa. A casa está pronta, falta a retirada das areias, promessa velha como o “construam-me porra”.

Há que bater o pé, para manter funcional o porto que D. Afonso Henriques doou ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Doação rica, que com ela foram as portagens, quando os navios cruzavam “a foz do Mondego”. Uma esmola, concedida por El-Rei a Santa Cruz. E de esmolas esperamos nós, desde 1106, que limpem o fundo do rio. Está assoreado e nele já não cabem navios de maior porte. Ou, sem conversas e em termos técnicos, maior calado.

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É por aquele cais que se escapa muita da produção industrial do Interior do país, o desassoreamento da barra tarda. O edil da Figueira da Foz conta uma “história interminável” e reclama uma draga em permanência. Ali não manda o Direito Administrativo, é mais Direito Marítimo e a compra da barcaça para remover as areias precisaria de autorização para operações. Mas, convenhamos, é um bom brado, capaz de fundear atenções e lançar âncora na necessidade. O poder central, – este e os outros todos que quando eu ali atraquei pela primeira vez, em 1992, já o problema se punha; está-se a marimbar. Vão nas conversas e adia-se coisa precária para ser resolvida no ontem.

Melhor seria, para quem conhece estas coisas, que se rebentasse o pontão Norte, libertavam-se as areias, que todos os anos tornam o banho de mar mais afastado e fazia-se Gala com elas, onde a praia está erodida. Aprofundar a barra, cortar o Norte ao Sul, que provoca o assoreamento e o depósito dos sedimentos. Mas a draga é que é precisa. Mais um capítulo nessa novela interminável, o regresso do capitão ao porto, cumplicidade assumida e o desenvolvimento num país de marítimos de doca seca, adiado.

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Percebe-se. O país e a barra. Em Tondela houve fanfarra para abençoar a requalificação e ampliação do Cemitério Municipal. Num país que celebra os mortos e esquece os vivos, é difícil que o faroleiro veja futuro. Até estas simples obras demoraram 270 dias.

Por isso a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro celebra os “Territórios da Longevidade”, concelhos que melhores condições oferecem para um envelhecimento seguro, saudável e ativo. São 25 municípios, mas o uso da expressão ‘territórios’ é como vaga de sete metros a bater no calado do navio à entrada do porto. Plaga, jurisdição, comarca, agora territórios? Parecemos uns selvagens a viver nos batocos, e se nem por nós temos respeito, e a terminologia importa, como poderemos exigir aos outros?

Por isso a draga será bem-vinda. A draga, a drago e um buldózer com capacidade para varrer estas ideias desconcertadas, sem rasgo nem centelha de fortuna.

Estamos a passar por um período de preocupações, lutas e aflições que poderiam ser unificadoras das nossas ambições.

Mas eles gostam de solistas e esquecem a orquestra. Como a barragem do Ceira, que haverá de ser lembrada na próxima seca.

Resolver o problema do porto da Figueira da Foz custa 28 milhões de euros, os privados conseguem reunir 4,5 milhões pelo que falta ainda muito ouro. Mas o espavento chega com o orçamento da Comunidade Intermunicipal Região de Coimbra. Lugares-comuns para justificar 19 milhões de euros. Leiam-se parcerias, desenvolvimento sustentável, eixos estratégicos, inovação, gastronomia e coesão. E nem uma palavra para a visão do conjunto.

A vida do dia a dia. Como as calçadas de Coimbra, esmiuçadas ao tutano. Delegação de competências na área da manutenção de calçadas em passeios e ruas pedonais. Ena, isto sim, é desenvolvimento, extrema atuação política, um brilharete da oratória. Setenta mil euros ano por paróquia, cinzas e humor, sofrimento comovente. Uma “verdadeira” descentralização, com um pacote financeiro adequado, como diz um prefeito meu conhecido.

Éditos da semana, teatro político que não vão faltar cubos, granito, calcário, xisto e outras pedrarias. Uma aventura solitária, empedrado generoso, a vaguear pelas peças.

E somos isto, uma draga, um cemitério e uma calçada. Música já bastante longa, conversa que nos afaga.

Um Santo Natal, a todos, com um 2024 cheio de muitas e boas realizações. E uma sopa, para evitar irritações e revoltas. Antes a sopa, ao reviralho.

Opinião | Amadeu Araújo – Jornalista

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