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Dorinda, a guardiã do sabor do Bolo de Ançã

Susana Brás | 16 minutos atrás em 04-05-2025

As condições atmosféricas adversas previstas para este fim-de-semana levaram ao adiamento para junho da XXII Feira do Bolo de Ançã.

Mas há tradições que nem a chuva consegue travar. O NDC encontrou Dorinda Vagos sentada, num largo da localidade do concelho de Cantanhede, bem perto de sua casa, com a sua cesta, as suas toalhas e, claro, os seus bolos — esses bolos de Ançã que leva a vida a cozer e a vender, com um carinho que se sente em cada palavra que partilha.

É boleira desde os 19 anos, mas o seu amor pelo ofício nasceu bem antes. “Ainda era pequena e já ajudava a minha mãe e a minha avó com os papéis, à luz da candeia de petróleo”, recorda, com os olhos a brilhar de saudade. Aprendeu com a mãe, com a sogra, com a avó, com todas as mulheres da família que fizeram do forno o seu altar.

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A receita é simples: farinha, açúcar, manteiga e ovos. Mas o segredo — “esse não se diz”, conta com um sorriso maroto — está nas mãos, na lenha certa, no tempo exato do forno e, sobretudo, na alma que se põe em cada fornada. “Se fica muito mole, não presta. Se fica muito rijo, também não.”

Mesmo sem feira, os clientes continuam a aparecer. Alguns batem-lhe à porta, outros esperam junto ao largo onde tem a sua cesta. “Praticamente vendo mais em casa ao sábado do que aqui”, conta.
Uma senhora de Coimbra vem todos os meses buscar vinte bolos para congelar. Outra vem de propósito de Matosinhos, outra de Vila Nova de Gaia. “Não procuram mais nenhum senão os meus.”

Dorinda não tem carta, nunca quis tirar. Mas isso nunca a impediu de ir vender à Figueira da Foz, onde chegava às cinco da manhã e ficava à espera da hora certa para abrir as vendas. “Ia com uma peixeira e o marido dela, às quatro da manhã. Era difícil. Uma vida muito difícil.”

“Antigamente, se nos apetecia um bolo, não havia. Agora é diferente. Agora se se quer, come-se.” É esse sabor da superação que dá ao bolo de Ançã um gosto ainda mais especial.

“Dizem que os meus bolos são bons. Eu não sei. Quem os come é que sabe”, diz, com humildade. E recomenda: “Casa bem com café, café de cafeteira da nossa avó. E há quem goste com queijo também.”

No fim, entre risos e memórias, confessa: “A minha avó já vendia em Coimbra, ao Sábado de Aleluia. E a minha mãe e a minha tia levavam as encomendas a pé. Uma vez acharam vinte cinco tostões e gastaram tudo em bolos. Naquela altura não era como agora.”

Hoje, o tempo é outro. Mas o espírito é o mesmo. E enquanto houver Dorindas, o bolo de Ançã continuará a contar histórias — com sabor, com memória e com amor.

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