O sócio-gerente de um lar, na Maia, acusado de burlar em 200 mil euros dois utentes afirmou hoje, em tribunal, que a entrega da casa dos idosos constituiu “uma dívida” para a instituição, garantindo que o casal “tinha discernimento”.
No Tribunal de Matosinhos, onde decorreu hoje a primeira sessão de julgamento, Agostinho Sousa, um dos sócios-gerentes da Quintinha da Conceição, afirmou que não conhecia o casal, com idades próximas dos 90 anos, antes da sua admissão no lar, em junho de 2017, tendo sido a mulher a tratar da entrada.
Segundo o arguido, o contrato foi celebrado na modalidade vitalícia, com o casal a entregar 70 mil euros de joia e a comprometer-se com, caso ficassem satisfeitos ao fim de um ano, a entrega da sua casa de Pedrouços.
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Confrontado pela juíza sobre se a promessa se transformou numa “obrigação”, Agostinho Sousa admitiu que a promessa de dação da casa se configurou, no seu entendimento, como uma dívida a saldar com a transferência do imóvel.
Esta dívida seria saldada em agosto de 2018 num aditamento ao contrato inicial, fixando a joia em 134.980 euros, a pagar por dação através da transferência da habitação para o lar. A casa viria depois a ser vendida em 2022 por 110 mil euros ao filho dos arguidos, então já gerente da sociedade.
Perante o coletivo de juízes, o arguido insistiu que para o casal “a palavra valia mais do que uma escritura” e que estes eram “autónomos” e tinham “consciência do que faziam”.
Neste caso, o arguido explicou que, no dia da entrada, os idosos deixaram 10 mil euros como sinal, que os restantes montantes foram pagos de forma faseada e que a mensalidade acordada era de mil euros, sendo que, num contrato temporário, o valor mensal seria superior.
Em dezembro de 2017, o casal entregou ainda um cheque de 15 mil euros, que o arguido qualificou como adiantamento de mensalidades, e, posteriormente, pagou 27 mil euros para reservar o quarto duplo, garantindo que o sobrevivente pudesse manter o espaço.
Questionado, o arguido justificou ainda a proibição de visitas da sobrinha e dos filhos com divergências familiares.
Confrontado pelo Ministério Público (MP) com a circulação de montantes pelas contas pessoais dos arguidos e de familiares, designadamente 20 mil euros dos 70 mil de joia transferidos para o sogro e outros 20 mil para a conta do casal, o arguido esclareceu que a sociedade enfrentava problemas de liquidez e que recorreu a empréstimos de familiares, pelo que esses valores serviram para saldar dívidas e “injetar dinheiro na empresa”.
Quanto à transferência de 15 mil euros provenientes de certificados de aforro, em 2019, para contas pessoais, o arguido admitiu que as faturas relativas a alguns serviços foram emitidas apenas quatro anos depois, explicando a situação com “descuido” e não com má-fé.
O MP acusa o casal que gere o lar e a sociedade exploradora da estrutura de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação de documentos, na forma continuada, por se terem aproveitado da condição física e psíquica debilitada dos idosos, sem descendência, para se apropriarem de bens e valores.
Entre 2017 e 2020, o MP descreve um conjunto de atos que integra um plano para apoderar-se do património do casal, incluindo a declaração de janeiro de 2018 que impediu visitas de outros familiares, os dois cheques de 15 mil euros em 2017 e 2018, o aditamento de agosto de 2018 que elevou a joia para 134.980 euros e a dação da casa, bem como resgates de certificados de aforro em 2019 e 2020 que somam mais de 54 mil euros, parte dos quais apresentados como “doação” durante a pandemia.
O prejuízo global é estimado pelo MP em 194.402,35 euros, valor cuja perda pretende ver declarada, pedindo ainda a aplicação de penas acessórias de proibição de gestão de estabelecimentos de apoio social a crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência
O julgamento prossegue dia 04 de dezembro, pelas 09:30, com a audição da Maria da Conceição Silva, sócia-gerente daquela sociedade e esposa do arguido hoje ouvido.
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