Portugal é um país pequeno no mapa, mas imenso na variedade da língua. Como professor de Português e História, tenho o privilégio de assistir todos os dias a essa riqueza que tantas vezes passa despercebida: os regionalismos.
Recentemente, publiquei no YouTube um vídeo dedicado a esse tema. Dei por mim a explicar que um pincho no norte é apenas um salto — não um petisco basco. Que um aloquete é o que no sul se chama cadeado, embora a palavra soe, para muitos alentejanos, como um nome carinhoso para um sobrinho. Que as sapatilhas do norte são, afinal, os ténis do sul — e não sapatos de bailarina, como uma aluna minha do Algarve achava.
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E há mais. O estaladiço do norte é o pão do dia; no sul, estaladiço é o som do pacote de batatas. Um galo na cabeça, no Porto, não pia — dói. E trintim, nos Açores, não é uma onomatopeia, mas sim um porta-chaves. A primeira vez que ouvi, pensei que era uma espécie de Pokémon.
Estes regionalismos não são erros nem distrações linguísticas. São parte da história viva da língua portuguesa. Quando dizemos ganapo, jiga-joga, calcorrear, marmelada, bicho-carpinteiro ou estar com os azeites, estamos a falar com sotaque da terra e alma do povo. E isso não é pouco.
Na escola, os alunos adoram descobrir que a língua é feita de cor e de chão. A gramática dá-lhes estrutura, mas são os regionalismos que lhes mostram que a língua tem pele. Ao rirem-se com as diferenças, aprendem a respeitá-las. Porque há inteligência na diversidade — e identidade também.
É verdade que o português-padrão é essencial para comunicar com clareza, mas a norma não deve ser uma mordaça. Deve ser uma base. A língua cresce, transforma-se, adapta-se — e os regionalismos são a prova disso.
Por isso, da próxima vez que ouvirem alguém dizer aloquete, não corrijam. Perguntem onde aprendeu essa palavra. É provável que, nessa resposta, venham histórias de avós, aldeias e memórias. E isso, para quem ama a língua e a História, vale mais do que qualquer manual.
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