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Dez anos após tragédia do Meco, estudantes dizem não haver queixas sobre praxes

Notícias de Coimbra com Lusa | 5 meses atrás em 14-12-2023

Em Coimbra e Lisboa os estudantes garantem que há muito que deixaram de receber queixas de violência nas praxes académicas, nas quais só participa quem quer e “ninguém é excluído” por não aderir.

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Matias Correia entrou na Universidade de Coimbra em 2011 e é hoje o ‘Dux Veteranorum’, estando à frente do Conselho de Veteranos, organismo responsável por preservar a história da instituição, mas também por receber e analisar denúncias de alunos.

“Nos casos mais gravosos, enviamos a queixa para o Provedor do Estudante da universidade, mas a última vez que isso aconteceu foi em 2016. Desde então, nunca mais tivemos nenhuma queixa”, disse à Lusa.

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Há dez anos, o acidente na Praia do Meco que vitimou seis estudantes da Universidade Lusófona, chamou a atenção para as praxes, levando o Ministério do Ensino Superior a criar uma linha de apoio para relatar abusos.

Até 2021, foram feitas 126 queixas, notando-se uma diminuição gradual de denúncias. A Lusa pediu dados atualizados ao ministério, mas não obteve resposta.

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Em Lisboa, cidade com mais alunos no ensino superior, e em Coimbra, onde surgiu a praxe, os estudantes ligados aos organismos universitários que recebem queixas garantiram que há vários anos que não há problemas, sublinhando que “já ninguém é excluído por não querer participar”.

“O acidente do Meco foi terrível, mas nada teve a ver com praxes. Nem sequer havia caloiros, mas a praxe passou a ter uma conotação negativa”, defendeu Artur Guimarães, do Magno Conselho de Veteranos da Academia de Lisboa, organismo responsável pelas praxes de seis faculdades da Universidade de Lisboa.

Desde o acidente, aumentaram os apelos para uma integração saudável dos caloiros. Em Coimbra, cuja tradição foi importada por instituições de todo o país, os alunos garantem que “as praxes não são violentas” e, segundo Matias Correia, são “um modus vivendi”.

“A praxe em Lisboa não nasceu de forma orgânica, como em Coimbra, e a maneira como é aplicada é muito dissonante nas diferentes instituições”, disse Artur Guimarães, sublinhando uma “diferença gigantesca” com a abolição de algumas práticas e garantindo que as atividades, como serenatas ou recolhas de fundos, “são de quebra-gelo e não para denegrir caloiros”.

Artur Guimarães não tem memória de queixas chegadas na última década ao Magno Conselho de Veteranos, que reúne Instituto Superior Técnico, Faculdade de Medicina, Medicina Dentária, Medicina Veterinária, Faculdade de Psicologia e Instituto de Geografia e Ordenamento do Território.

Mas as praxes continuam a dividir a comunidade educativa. Enquanto uns salientam a integração dos caloiros, outros criticam a “cultura autoritária e paramilitar”.

Para o sociólogo Elísio Estanque, autor do livro “Praxe e tradições académicas” e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, além do lado lúdico das praxes existe uma cultura “contrária à cultura democrática”.

“A atitude perante a praxe representa uma atitude de aceitação e resignação perante o poder exercido de uma forma despótica. A cultura e a mensagem subliminar é a de que tens de aprender a resignar e aceitar o poder do mais velho, sem reclamação, tens de ajoelhar se queres ter um futuro minimamente interessante”, criticou.

Mas, afinal, o acidente do Meco e os apelos da comunidade levaram a mudanças nas praxes? O investigador não notou “grandes alterações”.

“Não temos notícias de grande violência, nada comparativo com o caso do Meco, mas acho que a cultura estudantil e adesão massiva que existe em Portugal aos rituais da praxe mantêm-se numa dimensão muito abrangente”, acrescentou.

“A praxe serve para fomentar o espírito de grupo. Os que praxam hoje são os caloiros de ontem”, reagiu Matias Correia, que apontou como principal mudança, nos últimos anos, a perceção generalizada de que a participação é voluntária.

Por várias vezes, as praxes estiveram proibidas. No século XX, a praxe foi abolida com a chegada da República e restabelecida anos mais tarde, em 1919, tendo sido proibida novamente na década de 1960 para regressar apenas na década de 1980.

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